Crítica: Assunto de Família (Manbiki Kazoku)
Com nome de programa de TV aberta e cercado pelo burburinho inato da palma de ouro de Cannes, Assunto de Família consegue aglutinar, com suma maestria, o melhor dos dois mundos em sua primazia técnica e sua intimidade mortífera. Hirozaku Koreeda, acompanhado de um elenco extremamente hábil, consegue entregar sua película mais madura, na qual os traços da cinematografia de Ozu são irresistíveis em cada plano. Mesmo sem a inalcançável delicadeza de um “Era uma Vez em Tóquio” (obra prima máxima do cinema nipônico), o filme toca pela característica fundamental de qualquer retrato de costumes que se preze: a simplicidade.
A história de uma família disfuncional e em certos momentos até amoral, conquista justamente pela intimidade simples que Koreeda propõe. Por quase duas horas somos convidados a velejar por uma maré cotidiana em que furtos, falcatruas e sequestros se misturam na naturalidade do dia a dia, do toque familiar. Os laços revestem tudo de uma normalidade inebriante que transborda no perdão. Esses mesmos laços são o que tornam uma narrativa, por vezes exagerada, em crível e emocionante. Com a câmera crua, assim como sua narrativa, o diretor constrói um labirinto ao qual o próprio espectador se atira.
Por mais que os questionamentos que a obra propõe possam ser vistos num “Casos de Família”, a construção de seus personagens e suas situações nos colocam num espaço onde essa reflexão está longe de ser corriqueira. Ao invocar a simplicidade extrema, Koreeda nos leva a pensar até que ponto a intimidade obriga a própria naturalização e até que ponto esse perdão “meio que sem querer” não é legítimo em nome de uma felicidade momentânea.
Mesmo em um território de incontáveis clichês vazios, o diretor honra toda a escola Ozu ao entregar um filme que só não é minimalista em sua enorme e desnecessária duração. Assunto de Família é no fim profundamente sincero, simples e agridoce como a vida ou qualquer alga marinha.
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