Crítica: Inspire, Expire (Andið eðlilega)

O que nos falta, atualmente, é o mínimo de um exercício de empatia. Estamos a destilar ódio e peçonha àquilo que nos é diferente, tornando o (des)conhecido indiferente. Criamos um mundo à parte – à parte de todos, à parte das coisas – e pensamos por bem que este devaneio é o modelo padrão para o coletivo. Em meros detalhes cotidianos agimos como tal. Se o pensamento político não é compartilhado, tome-lhe ódio. Se o pensamento social não é dividido com outrem, tome-lhe ódio. Se uma mera crítica cinematográfica não descreve o que pensei, tome-lhe ódio. Muito ódio para pouca empatia. Cada vez mais, humanos desumanizam seus iguais. Em meros detalhes cotidianos.

O novo lançamento na Netflix vai até um bloco de gelo habitado – ao qual gostam de chamar Islândia – para lidar com a frieza do coração humano. Em Inspire, Expire, de uma forma completamente simplista e sem qualquer alarde em sua narrativa – tornando, por isso, o filme ainda mais comovente e forte -, acompanhamos a história de duas personagens extremamente diferentes em características, mas demasiado iguais em jornadas pessoais. Tratam-se de Lára (em grande performance de Kristín Þóra Haraldsdóttir), uma islandesa que passa por pesada dificuldade econômica, pronta a ser despejada de casa e sem crédito no banco para prover as necessidades mais básicas a si própria e ao seu filho pequeno Eldar (muito bem por Patrik Nökkvi Pétursson); e Adja (em excelente atuação de Babetida Sadjo), uma imigrante africana que tenta, com passaporte falso, atravessar a fronteira em busca de uma nova vida no Canadá.

A jornada diária de cada um.

As duas personagens tão diferentes, mas com dificuldades similares em seus caminhos a trilhar, se encontram quando Lára inicia um treinamento naquilo que pode ser seu novo trabalho, gerador de seu sustento e do pequeno Eldar: policial de alfândega. Em seus primeiros dias, observando o trabalho do policial oficial encarregado, a própria novata corrige o tutor, que deixara passar a africana Adja. Lára percebera seu passaporte adulterado. Dessa forma, a imigrante é direcionada à polícia local, presa por algumas semanas e, depois, colocada em um abrigo para imigrantes que estão prestes a – como ela – serem deportados. Sua algoz, Lára, no entanto, dentro de seu país, enfrenta dificuldades e, ainda sem estar contratada, passa os dias a driblar os percalços mais imediatos que se lançam insistentes em sua jornada.

A narrativa vai nos levando para os lugares comuns a ambas as personagens, mesmo ocupando, a priori, lugares opostos. Uma perdida no mundo, tentando encontrar um novo lar, um novo lugar – já que, ao ser pega, foi separada de sua filha, que conseguiu seguir viagem. A outra, em sua própria casa, não conseguindo as menores condições para se manter minimamente abrigada e saciada. O perigoso discurso xenófobo que poderia, muito facilmente, ser apresentando em um conto como esse vai sendo afastado à medida em que Lára e Adja se reencontram, agora sem as relações de poder de outrora, impostas por um distintivo ou por um documento cuja marca timbrada confere uma espécie de alforria ou aprisionamento. Dois seres humanos iguais: uma negra africana e uma branca islandesa. Dois seres humanos iguais: duas mães apenas tentando garantir o sustento de seus filhos.

Todos são iguais.

Com cenas sutis, prezando pelo silêncio em grande parte das vezes, a diretora Isold Uggadottir nos coloca de frente para o dilema que o pequeno Eldar faz, ao adotar um gatinho numa petshop: “É estranho ter que viver em uma jaula, você não acha?”, questiona o menino ao ver os felinos todos dentro de gaiolas; ainda sem perceber o mundo ao derredor, onde humanos enjaulam seus semelhantes. O que nos falta, atualmente, é o mínimo de um exercício de empatia.

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