Crítica: Meu Querido Filho (Weldi)
No poderosamente bem escrito “Bem-vindo ao Deserto do Real”, Slavoj Žižek aponta que, na pós-modernidade, a essência da realidade foi tão tomada de nós que desenvolvemos uma verdadeira obsessão pelo Real, pelo Grande Evento. No entanto, esse “Real-Real” que passamos a produzir é, na verdade, uma imagem, um simulacro. Analisando os atentados de 11 de setembro de 2001, o livro aponta que a queda das Torres Gêmeas cumpriram, no imaginário contemporâneo, essa angústia da busca pela Coisa em Si: ela foi, ao mesmo tempo, assustadoramente real e visualmente cinematográfica e ilusória. Muito do terrorismo de nossos tempos brota dessa batalha psíquico-política.
Na Tunísia de hoje, Riadh (Mohamed Dhrif) é um pai de família, prestes a se aposentar, vivendo um casamento morno com Nazli (Mouna Mejri). Enquanto lidam com os problemas econômicos de uma típica família de classe média baixa, a fonte de maior preocupação do casal é o filho Sami ( Zakaria Ben Ayyed). Aos 19 anos, sofrendo a pressão dos exames vestibulares, o jovem é atacado por severas crises de enxaqueca. Quando tudo parece estar se acalmando, o mundo dos Saidi sofre uma reviravolta no momento em que Sami vai para a Síria e se junta à organização terrorista Estado Islâmico. Esse é o enredo de Meu Querido Filho, do diretor e roteirista tunisiano Mohamed Ben Attia.
O primeiro grande acerto do filme está na escolha do tom. O diretor consegue escapar totalmente da esperada (e compreensível) demonização dos atos do filho. Ele escolhe, para tanto, focar principalmente na figura do pai, trazendo um olhar novo e levando o espectador a refletir sobre como devem se sentir as famílias cujas vidas foram lançadas no horror graças à opção de alguém que eles amam. Investindo em planos longos (algumas vezes até demais), o filme constrói uma atmosfera que dá conta da sensação de desmoronamento que deve acometer os pais nessa hora.
Outra escolha acertadíssima é a de se entregar o protagonismo da história à personagem de Mohamed Dhrif. Sem nenhum titubeio, ele é o melhor do filme. É comovente testemunhar como um ator constrói um ser tão palpável, tão humano, mas de forma simples, sem apoiar-se em uma técnica que poderia soar pedante ou deslocada. Seu Riadh é um pai, um homem comum, que fica feliz em encontrar um casaco da H&M num mercado de pulgas pro filho, trazer o cereal que ele gosta pra casa ou cogitar um empréstimo no banco para mandar o garoto estudar fora. E é esse mesmo homem que tem de conviver com o medo, a impotência e a culpa do futuro que esse filho terá ao juntar-se a um grupo terrorista. Dhrif entrega uma performance impecável e extremamente bonita, que catapulta, também, a atuação dos outros atores que formam essa família. Em várias línguas “atuar” e “jogar” usam o mesmo verbo. Quando Mohamed Dhrif faz par com Mouna Mejri ou Zakaria Ben Ayyed o espectador se lembra do porquê dessa peripécia linguística.
Em que pesem positivamente esses dois acertos, Meu Querido Filho não escapa, no entanto, de algumas deficiências formais que prejudicam o todo. A fotografia, por exemplo, é muito mais funcional que colaboradora da narrativa. Talvez, se houvesse tido um investimento mais estético nela, os planos longos não incomodassem por vezes.
O maior problema se dá, porém, no ritmo da produção. Seus 104 minutos acabam sendo percebidos como se durassem mais em função de uma edição e de algumas escolhas visuais que o deixam mais lento do que se desejaria.
Mas, no fim, o filme funciona como um belíssimo desenho de personagens e uma reflexão pungente sobre os nossos dias e o horror que nos espreita. Sem esquecer da beleza triste que a relação entre pais e filhos pode exibir.
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