Crítica: O Justiceiro (The Punisher) - 2a Temporada

Relendo aqui a crítica que eu mesmo escrevi da 1a temporada de “O Justiceiro” – e se você não a viu ainda, leia a resenha da 1ª temporada e assista-a antes de continuar a ler aqui, pois teremos spoilers brutais dela -, percebo que o que era bom deu uma piorada e o muito do que era ruim deu uma melhorada, numa proporção que faz desta 2a temporada claramente superior à 1a. Naquela resenha eu disse que os pontos negativos da série eram uma politização desnecessária, mal-executada e que em nada contribuía para a narrativa, bem como um núcleo chatíssimo da agente Madani (Amber Rose Revah) e a já famosa barriga que toda série da Marvel parece ser obrigada a ter. Os positivos ficavam por conta da relação de amor-ódio muito bem encenada pelo ótimo John Bernthal na pele do Justiceiro e Ben Barnes como Billy Russo (que viria a se tornar o Retalho), excelentes e violentíssimas cenas de ação, além de um bom e azeitado elenco, mais uma vez com destaque absoluto para Bernthal e Barnes.

Desta vez os roteiristas resolveram fazer tudo diferente. Se antes a série começou devagar pra caceta, agora ela tem um excelente (talvez o melhor) episódio inicial de uma delicadeza e violência que raramente andam de mãos dadas neste tipo de produção. Se antes Ben Barnes era excelente como Billy Russo, desta vez sua performance como um sujeito que não se lembra das coisas indizíveis que fez e completamente atormentado pelo que Frank Castle fez a ele é extremamente irregular, mantendo o nível da temporada passada nas poucas cenas em que paga de gatinho como fazia antes de se foder todinho e deixando a peteca cair praticamente sempre que seus traumas vêm à tona. Já quanto à personagem da agente do Homeland Security, Dinah Madani, aí a coisa continua chatinha para um cacete como era antes mesmo.

Aqui, ao contrário do Justiceiro dos quadrinhos, Frank Castle foi construído como um homem obstinado tão somente em matar todos aqueles que haviam contribuído para a morte de sua família. Apesar de ele também não ter nenhuma simpatia por bandidos em geral, seu foco era muito mais pessoal, de vingança. Finda aquela missão com a obliteração de todos os culpados e o espetacular esculacho final, a preocupação de todos era de onde que tirariam uma motivação para fazer com que Castle novamente voltasse a impiedosamente matar tudo de ruim que lhe aparecesse pela frente. E a maneira que encontraram para fazer isso foi ao mesmo tempo simples e sofisticada em sua análise do personagem. Além de um mero espírito de vingança, esta versão do Justiceiro é também um sujeito que nasceu para aquilo, que só se sente vivo no calor da batalha e que, por mais que tente negar, busca a violência a todo momento. É o tipo de cara que só precisa de um peteleco para desencadear uma reação exagerada, sanguinária e que o fará pleno enquanto ser humano.

Partindo dessa premissa que é realmente muito plausível para a lógica do personagem, era só papo de botar Castle num bar em que alguém passasse a mão na bunda de outrem sem consentimento para que pessoas morressem. E, apesar da metáfora de botequim, é exatamente isso o que fazem, construindo um belíssimo 1º episódio em que Castle se envolve, de forma natural e sem-jeito, com a garçonete Beth (Alexa Davalos, muito bem) e com ela vislumbra alguma razão para ficar, alguma nesga de possibilidade de recomeçar. Sendo ele quem é, isto obviamente não se sustentaria. No dia seguinte, uma menina cujo nome mudará várias vezes até você descobrir qual é o de verdade (Giorgia Whigham) parece estar sendo seguida por alguns jagunços e aí o Justiceiro entra em ação, dando início a uma corrente narrativa que o aproxima mais das HQs e que é, sem dúvida, o ponto alto da série em todas as suas temporadas, em especial por causa da química a la Jean Reno e Natalie Portman em “O Profissional” havida entre Castle e a tal menina.

Já pelei bastante o saco de Bernthal pelo seu retrato do Justiceiro na resenha da temporada passada, então, sabedores de que ele mantém o nível, vou poupá-los disso novamente. Hoje eu vou pelar o saco da menina de Giorgia Whigham, uma atriz que eu desconhecia (e que parece ter ganhado fama por “13 Reasons Why“), mas que tem uma sutileza em sua atuação que nos inspira os mais diversos sentimentos. Se num primeiro momento nós queremos que ela morra como a millenial-escrotinha-do-caralho que ela se mostra ser, não demora muito até que queiramos protegê-la tanto quanto Frank, muito embora ela não seja o mais angelical dos seres humanos. Sua relação com Bernthal e o arco narrativo que envolve máfia russa, neopentecostais assassinos e o assassino-crente Pilgrim (Josh Stewart, uma das melhores coisas desta temporada) são inegavelmente o ponto alto da série e é uma pena que ela seja obrigada a desviar seu foco disso por tanto tempo de uma forma que chega a ser criminosa, já que temos uns dois episódios em que este arco quase não é desenvolvido.

Infelizmente, a maldição das séries Marvel/Netflix se faz presente aqui como nunca e há uma barriga GIGANTESCA no meio de tudo, quebrando muito o ritmo e deixando mais uma vez aquela sensação de que a temporada poderia ter tido somente 8 episódios e não os 13 que aparentemente é o que o contrato manda que deve haver. Isto porque enquanto Frank e a menina estão tentando sobreviver, em Nova Iorque há toda uma lenga-lenga que se arrasta entre Billy Russo, a agente Madani e ainda uma psiquiatra que de cara já se sabe que não é muito boa da cabeça. E, para piorar, temos aqui as piores atuações da série.

A impressão que se dá é que foi necessário encher aquela linguiça que só essa parceria Marvel/Netflix sabe encher e resolveram fazer isso usando mais uma vez a pior personagem da temporada anterior e ressuscitando o Retalho da pior maneira possível. Inclusive, fica aqui o meu protesto quanto ao rostinho de de bebê de Ben Barnes com cicatrizes de bebê que fariam o Ribéry e o Tévez rir de escárnio. E nenhum deles foi arregaçado na porrada e teve a cara arrastada em vidro pelo Justiceiro como foi Russo. Para fins de comparação, vejam só a diferença entre o retalho da série e o do gibi:

Tivesse a série se concentrado no Justiceiro protegendo uma menina e matando geral, acredito que a barriga teria sido evitada e, de quebra, ainda manteria esta temporada quase que como alguma saga específica do Justiceiro dos quadrinhos, como muitas em que basicamente ele se propõe uma missão e passa o gibi todo fazendo de tudo para dizimar todo mundo, o que, considerando que também fizeram a acertada decisão de afastar a perturbação mental de Castle nesta temporada, seria bem mais salutar e ainda abriria a porteira para algo que poderia realmente ser grandioso, com temporadas independentes, cada uma contando uma aventura.

Mesmo com seus defeitos, muitos dos quais creio que podem ser atribuídos a questões mercadológicas e contratuais, O Justiceiro se mantém como uma sólida série de ação, conseguindo começar a temporada de maneira impressionante, e até mesmo diferente do que se esperava, terminando com aquela porrada já esperada e que não decepciona.

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