Crítica: Solo

A praia concentra em si duas simbologias para a vida de qualquer indivíduo. A imensidão, obscuridade e mistérios que representam o vasto mar; e os grãos de areia, em determinados objetos utilizados para marcar o tempo, em seus finos fragmentos, aos milhares, que são levados pelo vento. Cada um de nós, com suas peculiaridades, particularidades, indefinidos, tal qual as ondas que vêm e vão; tendo um lado da ampulheta preenchido, enquanto a parte de cima se esvazia.

Solo narra a história real de Álvaro (Alain Hernández), um “espírito livre” preso aos seus desejos e promessas com o amigo Nelo (Ben Temple) de surfar meio mundo e pegar o tanto de mulheres que pudessem. No entanto, a “aposentadoria” do velho parceiro, que encontrara a mulher de sua vida que carrega seu futuro herdeiro, deixara Álvaro sozinho em suas buscas pessoais. Um homem que não manteve qualquer relação mais duradoura com ninguém e se afastara de seus familiares, ainda que os sentimentos por eles fossem reais, para se encontrar em meio a um mundo de areia e água salgada. Mas, em uma de suas aventuras solo, o homem só sofrera um acidente que o engolira em suas buscas mais íntimas. Ele, acompanhado pelos finos grãos de areia e sal e água, com o bater das ondas sendo o único diálogo a ser ouvido.

Um grão no meio do mundo.

No limite da vida, Álvaro repensa toda sua trajetória, revisitando memórias que o fazem, agora, se entender como uma companhia tóxica a todos os que o amam. O filme não se resume a uma narrativa de como alguém conseguiu sobreviver em uma região inóspita; o foco principal dado pelo diretor Hugo Stuven é o autoconhecimento provocado por uma situação extrema. É quando estamos em uma realidade de verdadeiro aprisionamento, não tendo para onde ir, quando passamos a nos entender como um nada em meio à imensidão do Universo, então uma autocrítica obrigatória se faz presente e uma nova perspectiva começa a ser construída.

Sustentado por uma fotografia deslumbrante e contando com locações paradisíacas, as cenas vão se desenvolvendo enquanto Álvaro luta contra a natureza para conseguir passar por mais um dia. Uma luta desigual; mais uma demonstração do quão pequenos somos, ainda que alguns se entendam grandiosos demais. Os planos escolhidos para contar a história aprofundam essa sensação, de modo a tornar o personagem um detalhe em meio a força natural que sempre esteve aqui, muito antes do homem. Tudo o que lhe resta são os sentimentos, que devem ser reconstruídos, caso lhe seja dado mais uma chance.

Aura Garrido como Ona, em sua perfeição peculiar.

Apesar de pecar levemente em um didatismo ou outro, que explica os sentimentos do protagonista, Solo consegue manter uma força e tensão ao longo de seus 90 minutos de história, enquanto traz o espectador para dentro do mar revolto de remorsos de Álvaro, em relação aos seus familiares, amigos e a namorada Ona (pela sempre linda Aura Garrido). Através da jornada sofrida e a busca instintiva de todo e qualquer animal pela sobrevivência, temos, uma vez mais, a certeza de que não adianta fugir mundo afora quando sua própria prisão é si mesmo.

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