Crítica: Soni
Um dos pontos mais importantes que estamos testemunhando na mais atual História do planeta é a voz que as minorias passaram a ter. O tão polemizado (mas nada polêmico em sua essência) empoderamento feminino não é um fenômeno isolado do mundo Ocidental. Cada vez mais, em sociedades completamente fechadas e engessadas por questões culturais milenares, é noticiado um avanço no que diz respeito aos direitos das mulheres, apesar da caminhada se apresentar pateticamente longa demais. A Índia, um desses exemplos, surge como importante local para esta percepção. Já resenhamos aqui alguns títulos de lá cuja narrativa lida diretamente com este tema. Seguindo nisso, temos em Soni, lançado agora na Netflix, nova voz feminina em foco.
Soni, a protagonista encarnada com brilho por Geetika Vidya Ohlyan, é uma policial que testemunha, em seu trabalho diário, várias ações abusivas de homens contra mulheres. Desde agressões verbais a tentativas físicas, o cenário pouco atraente para elas é um muro rígido e antigo que permanece imponente naquela sociedade. Soni, por sua vez, trata de se utilizar da autoridade que seu trabalho a investe para combater isso. O único “problema” é que ela está completamente esgotada com esta situação aceita pela esmagadora maioria e se relaciona de forma extremamente violenta em relação a isto. Uma investida verbal desrespeitosa é motivo para ela partir para dentro e, depois, receber um esporro da sua chefe, uma outra policial também esgotada com a situação, mas mais comedida em suas ações.

As duas personagens, portanto, surgem como um certo contraponto, apesar de se sentirem da mesma forma em relação ao papel relegado às mulheres naquela cultura. Kalpana (muito bem por Saloni Batra) é casada e, em seu lar juntamente com seus familiares, realiza o papel esperado por eles para elas. Faz com gosto, muito mais porque ama os seus e gosta de deles cuidar do que por qualquer outra razão que pudesse impor uma condição subalterna a ela. Já Soni vive sozinha e é obrigada a lidar com o fantasma presente em carne de seu antigo relacionamento, com as várias tentativas do ex de um possível retorno. Mas Soni parece fechada e pouco disposta a dar qualquer segunda chance não só a ele como para a figura masculina em sua essência, por tudo o que ela representa. E os episódios de seu cotidiano só fortalecem seu posicionamento pessoal.
Nas pouco mais de 1h30 minutos de filme, há muito desse paralelo entre as personagens e como cada uma se vê, a partir do que seus trabalhos podem ofertar, dentro desse universo majoritariamente masculino e opressor. Por outro lado, os acontecimentos são repetitivos, fazendo parecer que a narrativa não desenvolve como poderia. Ainda assim, porém, os efeitos sentidos pelas protagonistas em sua relação diária com um sistema jurássico repressor são o que realmente fazem valer na história. O modo como Soni vai sendo consumida em sua violência que se mostra um grito de liberdade não entendido por ninguém e como isso a afeta em sua vida pessoal é o que nos aproxima da narrativa proposta por Ivan Ayr.

Muito mais pela importância do tema e pelo modo intimista e delicado de apresentar este conto e menos pelas sequências que não trazem muita coisa de diferente entre uma e outra, Soni surge como um bonito novo exemplo da voz feminina sendo ouvida mundo afora, em uma peça cinematográfica de beleza sutil. “Toda História é História do tempo presente”, dissera certa vez o historiador Marc Bloch, e o filme indiano consegue nos passar mais um trecho dessa História presente pela qual toda e qualquer mulher está a passar.
Leave a Comment