Crítica: Alita: Anjo de Combate
A história que cerca a produção de Alita: Anjo de Combate é interessante. James Cameron – sim, aquele mesmo de “Titanic” e “Avatar”, os melhores filmes ruins da história – se apaixonou pelo mangá original de Yukito Kishiro e comprou seus direitos no começo dos anos 90, logo depois de ter dirigido aquele que é até hoje tido como um dos maiores filmes de ação de todos os tempos, o já clássico “O Exterminador do Futuro 2”. Os fãs da época, que ficavam sabendo dessas coisa por revistas especializadas já que a internet pessoal ainda engatinhava, ficaram bem animados. Afinal, teríamos o diretor de um PUTA filme de ação sci fi produzindo e dirigindo uma história violentíssima, justamente de ação sci fi, sobre uma ciborgue sem identidade que se descobre a mais avançada e poderosa máquina de combate da Terra. Mas aí veio “Titanic”, Cameron se tornou o diretor mais rentável da história e seu longa seguinte só viria quase 20 anos depois, com “Avatar”.
Em algum momento nessa lacuna de 25 anos, Robert Rodriguez, diretor gabaritado por coisas estupendas como “Sin City” e também conhecido pela franquia “Pequenos Espiões”, meio que se aproveitou desta falta de tempo de James Cameron para se oferecer para reescrever o roteiro e dirigir o filme. Cameron não só deu graças a si mesmo como também jogou 200 milhões de dólares na mão de um cara que nunca tinha tido mais de 100 e que é justamente conhecido por fazer bons filmes com orçamento muito baixo, sendo o seu clássico cult, “El Mariachi”, um dos filmes mais lucrativos de todos os tempos (custou 7 mil, fez 7 milhões).
Pois bem, contada a historinha acima, tudo que me resta é dizer que passei boa parte dos 122 minutos de exibição do longa torcendo para que acabasse logo. São vários os seus problemas e que são quase que todos resumidos a uma coisa só: o filme se apoia demais na computação gráfica e deixa quase todo o resto em segundo plano. Dito isso, é preciso também dizer que o trabalho dos efeitos especiais é absolutamente fantástico. Recomendaria que todos assistissem em Imax se possível.
Alita (Rosa Salazar) é um personagem totalmente construído em computação gráfica e que causa uma sensação de estranheza que permaneceu comigo o tempo todo. A escolha da produção foi a de construí-la como um personagem de mangá dentro de um mundo de pessoas normais, então enquanto todos os personagens humanos têm rostos e corpos de humanos normais, Alita, apesar de querer emular um ser humano, obviamente não o é. Seus olhos grandes demais causam algum desconforto ao mesmo tempo que são um toque a mais e que fazem da performance de Rosa Salazar por baixo de toda aquela tinta digital uma das poucas que se salvam no filme.
O longa conta a história de como ela foi achada no lixão da Cidade de Ferro, que é alimentado pelos dejetos de Zalem, a última cidade flutuante do mundo em algum momento do século 26. Há aqui toda uma mitologia de guerra entre a Terra e as colônias de Marte, mas que, infelizmente, nunca é desenvolvida e parece deixar um buraco enorme para que consigamos entender as motivações e desenvolvimento de quase todos os personagens. Na cabeça dos produtores, imagino, contar melhor essa história seria perder um tempo que seria melhor usado com uma adolescente de 15 anos arregaçando com outros robozões 10 vezes maiores que ela.
Quem a acha é o Dr. Ido (Christoph Waltz no automático), que se torna uma figura paterna, um ciber-cirurgião que a reconstrói a partir do que havia sobrado dela, que é basicamente seu cérebro e coração, e faz surgir uma menina adolescente que, de forma muito forçada e apressada pelo roteiro, resolve se rebelar contra o pai e, em função disso, iniciar uma cadeia de eventos que vai levá-la a entender melhor quem é, sentar a porrada em um monte de outros ciborgues e encontrar o amor na figura do bonitão Hugo (Keean Johnson) – espero que eu não seja o único que tenha achado isso bizarro, já que as partes mais pudentas de Alita se assemelham às do seu Comandos em Ação ou da sua Barbie.
A partir daqui temos uma narrativa rocambolesca, nonsense, que não se preocupa em desenvolver personagens, motivações ou até mesmo em apresentar diálogos convincentes. Tudo ainda prejudicado por uma montagem confusa e uma direção de atores bem frouxa, o que acaba por entregar performances ruins de gente graúda como Christoph Waltz – um sujeito que já ganhou dois Oscars – salvando-se aqui nesse quesito somente a protagonista e o cada vez mais foda Mahershala Ali, que interpreta o vilão do filme e entrega uma performance excelente mesmo tendo muito pouco com o que trabalhar. Não posso esquecer também de Jennifer Connelly, que só por existir já ganha uma estrelinha.
No mais, incomoda bastante também o fato de estarmos falando de uma obra sobre um ciborgue assassino capaz de uma violência inimaginável em que a violência simplesmente não está lá. Quando há cenas de luta, elas até se fazem de brutais, mas só o são quando envolvem robôs criados em computação gráfica, com o único sangue que aparece em toda a obra sendo um que a menina Alita usa para pintar seu rosto e proferir uma frase de efeito bem boba. Economizaram até no sangue azul cibernético dos ciborgues e isso num filme do Robert Rodriguez, um dos caras mais apaixonados por sangue jorrando para tudo quanto é lado da história do Cinema. Tudo que é violento aqui é estilizado e acontece quase que exclusivamente com personagens feitos em computação gráfica, tornando toda a coisa um tanto parecida com assistir o pica-pau escrotizando o zeca urubu, por exemplo. Trata-se de uma decisão de mercado, para manter o filme no Santo Graal das classificações etárias americanas, o famigerado PG-13 (aqui no Brasil saiu para 12 anos), que faz sentido somente nesse contexto comercial, mas que prejudica de verdade a obra.
Todas estes problemas se juntam e talvez expliquem o porquê de Alita estar flopando nos EUA e mundialmente, lembrando que a própria FOX que produz o longa foi quem quebrou paradigmas ao lançar um violentíssimo “Deadpool” e com ele provar que as classificações etárias não impedem um filme de fazer uma bilheteria espetacular.
De todo modo, estamos aqui diante de uma obra que, no aspecto técnico-visual, é muto bem-feita, com cenas de ação que entretêm e um gancho para uma continuação que provavelmente nunca virá. A sensação é de potencial desperdiçado, mas, mesmo assim, na sua proposta de entretenimento puro, Alita: Anjo de Combate consegue, com seus efeitos, visual e cenas de ação, entregar um filme divertido, ainda que raso.
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