Crítica: High Flying Bird
Eu adoro torcer pra quem tá perdendo Adoro aquele gostinho de “Damn the Man”. Adoro os versos finais de Killing in the Name de Rage Agains the Machine (e boa parte dos outros versos das outras músicas deles). Seria estranho se não gostasse de filme de underdog. De “Guerra nas Estrelas” e “Goonies” até “O Povo Contra Larry Flynt” e “Rocky”, ver o little man, o perdedor, o fudido, mandar uma dedada pro status quo é de um prazer inigualável. Quando um filme faz isso com inteligência – mostrando que não importa o quão poderosos sejam os poderosos, a criatividade sempre vai vencer a grana (apesar de a realidade ser quase sempre diferente da ficção) – o filme me ganha logo de cara.
Steven Soderbergh, que dirige High Flying Bird, lançamento do dia da Netflix, parece gostar do tema tanto quanto eu. Nome por trás dos sucessos “Onze Homens e um Segredo” (e doze e treze, e oito mulheres), “Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento” e “Logan Lucky: Roubo em Família”, Soderbergh deve ter ficado tão deprimido quanto eu ao assistir à primeira projeção de “Traffic” (o único filme que me fez levantar e deixar a sala de cinema antes do fim) e prometer-se no futuro esforçar-se mais para não contar histórias com uma mensagem tão desesperançosa.
High Flying Bird conta a história de Ray Burke (André Holland, agradabilíssimo de se assistir), um agente da NBA que, durante uma longa disputa entre o sindicato dos jogadores e os donos dos times/emissoras de televisão que paralisa todo o mundo do basquete, resolve arregaçar as mangas e ajudar a carreira de um cliente, um jovem e talentoso jogador recém-contratado pela liga e, de lambuja, salvar seu esporte favorito da ganância corporativa. Munido de criatividade e cojones, Ray articula um plano não apenas para mostrar novamente o que é que importa no esporte, mas para esfregar na cara do seu chefe que “Homens Brancos Não Sabem Enterrar”. Com a mesma habilidade de construir reviravoltas mirabolantes vista em seus sucessos anteriores, Soderbergh narra uma história divertida e leve, com aquele final ahá! que se espera em seus filmes mais comerciais. Há uma boa quantidade de referências não apenas à NBA (como depoimentos de jogadores renomados sobre suas experiências como novatos na liga profissional) mas também à cultura pop e aos movimentos negros.
O nome do filme, oriundo de uma canção folk dos anos 60 cuja letra fala de um pássaro que voa livre no céu enquanto estamos enraizados como árvores aqui embaixo, traz uma forte ligação com a escravidão (a figura do treinador Spence e seu mantra “I love the Lord and all His Black People” está lá para nos lembrar que a luta é diária e constante). Aqui os jogadores, homens negros em sua maioria, seguem como peões acorrentados a cláusulas contratuais, e, apesar do grande sucesso profissional, estão sempre sob o jugo da liga profissional, na figura de David Seton (Kyle MacLachlan), o homem branco que controla as regras do jogo dentro e fora das quadras. High Flying Bird também me remete à expressão “flipping the bird” ou “mandando uma dedada” como um discreto “Damn the Man” oculto no título.
O filme tem várias vitórias ao mostrar, ainda que discretamente, alguns meandros do esporte, como a hegemonia dos homens e a figura de mulheres fortes lutando para mostrarem seu valor, ou as dificuldades encontradas por jogadores gays. Talvez esses temas pudessem ter sido mais bem elaborados, mas acredito que, dentro da limitação de tempo de sua cerca de uma hora e meia, o filme tenha conseguido dizer bastante coisa. Tempo – ou a ausência dele – foi o único problema que percebi na película. Faltaram-me alguns minutos a mais de filme. Talvez um pouco mais daquele “mojo” mirabolante e rocambolesco que fez de “Onze Homens e um Segredo” um filme tão interessante. Eu gostaria de ver um pouco mais dos planos de Ray e de sua gloriosa dedada aos chefões da NBA ao mostrar que, não importa quanto poder uma liga possa ter, as pessoas estão mesmo interessadas é em assistir a um bom jogo de bola.
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