Crítica: O Fotógrafo de Mauthausen (El fotógrafo de Mauthausen)

Um dos assuntos mais abordados pela cinematografia, em especial a hollywoodiana, é a Segunda Guerra Mundial.  Isso demonstra a necessidade de se falar sobre traumas para, de alguma forma, exorcizá-los. Dentro desse episódio histórico representado repetidas vezes pelo Cinema, um especificamente se faz mais presente: o maior exemplo do que o homem fora capaz de fazer ao seu semelhante – os campos de extermínio nazistas. Primo Levi, um italiano sobrevivente de Auschwitz, em sua obra-prima “É Isto Um Homem?”, afirma que não escrevia seus livros para acusar ninguém, tampouco para trazer alguma novidade acerca dos momentos de um prisioneiro dos campos; ele era enfático ao dizer que suas palavras eram uma tentativa de colocar para fora o que de indizível ele experimentara.

O mais novo lançamento da Netflix, O Fotógrafo de Mauthausen, revisita os campos para trazer uma perspectiva um tanto diferente das mais exploradas por outros títulos. Nesta obra de Mar Targarona, a ótica não parte do judeu, nem do nazista. A narrativa acompanha um outro tipo de prisioneiro: os encarcerados políticos. Francesc Boix (Mario Casas) é um espanhol abandonado pelo líder de seu país, Franco, e considerado como um apátrida. Tendo sido capturado, junto a tantos outros iguais, pelas forças do III Reich, ele deverá viver a cada dia no sentido de sobreviver ao Lager. Aprender o alemão, criar estratégias para conseguir se alimentar menos pior, tentar se destacar entre os demais para alcançar um posto menos penoso dentro daquele emaranhado modelo de desumanização.

O voyeurismo do horror.

O fato de saber técnicas de fotografia faz dele (assim como o citado Primo Levi em relação à química) o escolhido pelo fotógrafo nazista do campo de Mauthausen. Dessa forma, ele garante algum tempo de sobrevida, visto que não estará condenado aos trabalhos mais forçados daquele sistema reprodutor do horror humano. Sua tarefa, ao assessorar o fotógrafo oficial do Lager, é registrar, perpetuar, cada momento ocorrido ali: desde execuções de prisioneiros até visitas de oficiais da Schutzstaffel. No entanto, após uma ordem de seu superior, ele deve queimar (tal qual os corpos de seus companheiros que não sobreviveram ao sistema “irreal” ali imposto) todos os negativos que registraram algumas personalidades e determinadas ações promovidas no local. Para conseguir levar ao mundo o que se passou diante daqueles milhões de encarcerados, já que as palavras não encontram verbetes que possam traduzir o nefasto, Boix conta com compatriotas para esconder e encaminhar as fotos em sua posse.

Nas suas quase duas horas de narrativa, muito do que vemos na literatura dos campos de concentração é exposto com veracidade determinante no filme: a nova configuração social (se assim podemos considerá-la) intrínseca aos campos; as diferentes personas nazistas por detrás de seus “véus” de SS; as formas de execução dos aprisionados; a luta diária de cada um contra todos para se manter vivo; as revoltas de prisioneiros que, em menor escala, temos testemunho; e a natureza humana do sonho de todo preso se tornar o carcereiro. Pincelando cada um desses temas, a história vai se desenvolvendo com a trama central sendo a tentativa de assegurar os negativos como reprodução da verdade a ser vista pelo mundo (já que a ordem do III Reich havia sido apagar todo e qualquer vestígio de que aquilo acontecera) como um recurso de voz àqueles que já não tinham forças para contar, pois nem humanos mais eram. Eles, os submersos. Os que não conseguiram passar ou entender o funcionamento hediondo dessas fábricas de execução.

A luta diária nos Lager.

Se, por um lado, o roteiro parece não fluir com seu desenvolvimento narrativo, apesar de seus personagens serem interessantes e de algumas situações se mostrarem impactantes, por outro a simples ideia de se contar um pouco mais (e, em especial, de uma perspectiva não tão aprofundada por outros títulos) do que ocorrera nos campos de concentração me parece o bastante para determinar a importância da obra. Em casos como este, mais do que uma produção irretocável, a necessidade da fala justifica a realização do filme. Porque o que ocorrera nos diversos Lager ao redor da Europa não deve jamais ser esquecido. Já nos avisara ele, o sobrevivente Primo Levi:

“(…) Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa, andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.” (É Isto Um Homem?)

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