Crítica: Paddleton
De vez em quando a NETFLIX lança um blockbuster daqueles que você pagaria ingresso no cinema para ver, vide os recentes “Bird Box” e “Polar“, quebrando o paradigma que esses tipos de serviços tendem a nivelar por baixo seu conteúdo uma vez que não há receita direta advinda de um alto nível de audiência para uma obra específica. Contudo, a plataforma vem investindo cifras astronômicas e se reinventado a cada ano, elevando a qualidade de suas produções e dando liberdade criativa para seus criadores de conteúdo, resultando em obras um tanto fora da caixinha, como “Maniac“, e outras que encontrariam distribuição limitada nos cinemas, como o aclamado “Roma” (presente em nossos Top 10 – Melhores Filmes de 2018 e Oscar 2019 – Pitaco MetaFictions). E se tem um nicho que a plataforma se destaca é nas produções modestas com histórias simples e reais, como já bem apontou nosso editor chefe. Em Paddleton isso é mais verdadeiro do que nunca.
Sem rodeios, começamos com dois amigos, Michael (Mark Duplass) e Andy (Ray Romano), em uma enfermaria recebendo a notícia que Michael tem câncer no estômago e que deveria buscar um especialista, que por sua vez confirma que a doença está em estágio terminal, confirmando que ele tem pouco tempo de vida e uma árdua luta a sua frente. Sendo vizinhos e muito amigos, Andy é cooptado a ajudar em um processo de “eutanásia” antes que a doença comece a se manifestar e arraste Michael para o hospital. Começa aqui a verdadeira luta do longa, a aceitação da vontade do outro.
Qualquer obra que aborde a nossa mortalidade causa um certo desconforto, especialmente quando ela é confrontada de forma tão inequívoca e imediata. Temos alguns exemplos recentes da própria Netflix que retratam a mesma questão sob óticas e formatos diferentes, como a série “Dá Licença, Saúde“, que entra na sátira de situações sociais que acompanham um paciente de câncer, e o curta documentário “A Partida Final“, indicado em nosso Garimpo Netflix #8: Oscar 2019“, que mostra de forma crua pacientes em seus últimos momentos. Paddleton opta por um outro caminho, o do sobriedade sobre o nosso próprio destino e obrigações. Você seria capaz de conscientemente decidir morrer antes da doença te levar? E, mais importante, você daria assistência a alguém fundamental em seu cotidiano para que ela evite um sofrimento a custo da sua ausência em sua vida? Até o momento em que escrevo isso não tenho respostas para dar, embora não pare de pensar no assunto.
O longa se ancora fortemente na relação entre os dois amigos, tendo seus melhores momentos em cenas tão mundanas quanto as do seu dia-a-dia. Discutir quais superpoderes são os mais práticos ou qual animal é mais rápido por perna é tão sem propósito quanto é prazeroso e são fundamentais em uma relação sedimentada em anos de companheirismo. A química dos amigos, com Michael em paz com sua morte prematura e Andy inconformado e a todo tempo mal-humorado com a situação, como se não aceitasse a vida que foi negada ao seu amigo, carrega o longa em cenas que partem do divertido, passam pelo constrangedor e chegam ao inquietante. Isso fica evidente nas cenas com Andy conferindo se o amigo está morto ou apenas dormindo, que começa engraçado e conforme o filme progride ganha contornos mais sombrios e emocionalmente pesados.
Morrer certamente deve ser uma merda, mas, como já dizia minha saudosa avó dona Helena, “é pior pra quem fica”. Nitidamente isso é evidente nas reações de Andy na bela performance de Ray Romano. Ele conseguiu transmitir a sensação de estar conversando com uma pessoa próxima pela última vez a cada momento e que, em parte pelo seu intermédio, verá a chama da vida de uma das pessoas mais importantes pra ele se esvaindo. É de arrancar lágrimas e te deixa arrasado quando o momento chega.
Em suma, Paddleton é drama forte, que celebra o ordinário e, ao mesmo tempo, o excepcional. É uma obra sobre a morte, mas que enaltece a vida. Tirando alguns pequenos erros de continuidade, é um longa sensível e que te faz refletir sobre o pouco tempo que temos para compartilhar com quem amamos. Não deixe de conferir.
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