Crítica: Querido Menino (Beautiful Boy)
O vício em drogas é devastador não só para o doente, mas para todos a sua volta, principalmente a família. Imagine quando ele atinge não o garoto problemático e rebelde do clã, mas o filho amoroso, artístico, talentoso e aceito nas seis universidades às quais se candidatou? Foi por essa hecatombe pessoal que passou o famoso jornalista David Sheff, quando seu filho, Nic, se revelou viciado em metanfetaminas (e todas as outras drogas conhecidas). A história dos dois, que gerou dois livros, cada um com a visão de um deles, acaba de ganhar uma versão cinematográfica com Querido Menino, dirigido por Felix van Groeningen.
Na pele de David e Nic estão Steve Carrel e Timothée Chalamet. Eles, aliás, são de longe a melhor coisa do longa que, apesar da bela e relevante história, tropeça na maior parte do tempo. Mas, antes de entrar nos percalços, olhemos para os exemplares de excelência da obra.
Há tempos Steve Carrel tem se arriscado em papéis que o libertem da camisa de força do reconhecido (e excelente) comediante que é. Ele cria o seu David com uma precisão e, ao mesmo tempo, uma vulnerabilidade, que enchem a tela da mais genuína entrega de um ator a um papel. Apoiado na excepcionalidade de Chalamet (já falo dele) e numa cumplicidade comovente com sua esposa em cena, Karen, feita por uma impecável Maura Tierney, ele brilha nos momentos em que não é atrapalhado por outros fatores da produção.
Já Chalamet prova mais uma vez porque merece todo o incenso e prêmios que vem amealhando a despeito da juventude. Ele é a melhor coisa do filme. Sua atuação alcança níveis de grandeza estelares. É verdadeiramente o que se chama de tour de force. Pleno, total, consciente, ele molda um Nic que toma o espectador pela verdade que irrompe em cada um de seus frames. É arrebatador. A angústia, o desespero, a dor e a fragilidade, ladeados por uma enorme sensibilidade e afeto de Nic ganham forma numa atuação que dá conta de todos os níveis de significação, inclusive os físicos. Desculpe, Academia, mas errou feio, errou rude em não indicar o moço.
A não indicação do magnifico, aliás, pode ser creditada aos defeitos do filme. Infelizmente, o belo elenco tem que se virar numa produção que não consegue disfarçar uma série de falhas. A começar pelo roteiro, escrito pelo próprio diretor em parceria com Luke Davies. Na ânsia de tornar-se uma pièce de resistance de arte cinematográfica e literatura unidas, o texto abusa de falas que abusam de frases “grandiosas”, gongóricas, que quebram toda a naturalidade de algumas cenas. Alguns momentos do texto soam a puro artificialismo estético.
Estetização vazia que se imprime em cada movimento da infeliz direção de Van Groeningen. Sabe aquela história de, às vezes, o espectador não saber exatamente o que um diretor faz de concreto no filme? Pois bem, Querido Menino mostra por oposição o papel que ele desempenha. Fica muito claro que as escolhas equivocadas são aquelas que saíram das mãos e da mente do maestro.
A começar pelos planos que, claramente esnobes e querendo soar como “altamente artísticos”, se revelam apenas estranhos. São escolhas estéticas que se travestem de intenções nobres e grandiosas para, no final, desmoronarem como um castelo de cartas baratas. Fake, fake, fake. Parece até campanha presidencial no Brasil.
Outra aula ás avessas dada por escolhas do diretor se dá no campo da fraca edição e na péssima trilha sonora. Leitor Metafictions, acredite: a trilha sonora é de arrepiar os cabelos pelos motivos mais errados. É incrível como uma boa trilha às vezes nem é percebida de tão orgânica que se torna com as cenas. Já essa trilha pavorosa se mostra tão fragrante quanto perfume vagabundo em elevador pequeno. O horror, o horror.
É, Tim e Steve, vocês são os nossos queridos meninos nesse filme e valem mais que o ingresso. Uma pena que o restante da obra não conseguiu acompanhar vocês.
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