Crítica: Velvet Buzzsaw
A Arte parece minguar. Em um século no mínimo estranho estamos a ver alguns comportamentos sociais que enaltecem o ridículo e trazem à baila assuntos desprezíveis. A inteligência parece minguar. Dentro de uma lógica exclusivamente mercadológica, assistimos a educação formal tornar-se tão somente uma fonte de ganhos; contemplamos, igualmente, a venda de caráter em uma corruptela desmedida e pavorosamente naturalizada; e, para nosso profundo pesar, testemunhamos aquilo que era a eterna fuga do ser humano – tal qual Nietzsche colocara como fonte de sobrevivência ao terror da verdade – ser vendida por grandes quantias à medida em que se torna cada vez mais vazia: a Arte. E ela parece, de fato, minguar.
A nova produção Netflix viaja em um universo real, com um flerte íntimo ao fantasioso, a partir de uma narrativa tragicômica para soltar um grito de “socorro” ao açougue que se tem proporcionado às idéias, à criatividade e à sinceridade das expressões pessoais. Velvet Buzzsaw traz a história de diversos personagens, contando com um elenco invejável (Jake Gyllenhaal, Rene Russo, Toni Collette, John Malkovich, dentre outros), que são ligados pelo meio artístico. Entre os produtores das obras e os consumidores, a ponte é sustentada por curadores e gerenciadores das peças, não esquecendo do papel dos críticos e seus super poderes de valorizar ou diminuir o resultado do artista.

Dan Gilroy vai desenvolvendo sua narrativa a partir do valor comercial da Arte. O artista só entra em cena efetivamente quando sua obra demonstra alguma possibilidade de grande venda e isso é mais garantido quando o crítico enaltece a produção. Nesse meio-tempo, os gerenciadores, como urubus em carniça, tentam seduzir a mente brilhante (ou não) por trás da peça para conseguir obter parte dos ganhos em transações astronômicas. Mas essa pequena engrenagem, que movimenta milhões, é abalada quando uma assistente descobre que seu vizinho desconhecido – o qual, já bem velho, perdera a vida – fora responsável por produzir um sem-número de telas de rara genialidade. Sorrateira e focada no dinheiro que daquilo pode resultar, a assistente rapidamente pega para si a produção de vida do velhinho e começa a negociar com o mercado, gerando reações em todos os cantos desse meio. Porém, misteriosamente, as próprias obras de Arte parecem atentar contra a vida daqueles que apresentam ganância em relação a cada uma delas.
A cuidadosa direção de Dan Gilroy vai, durante as sequências da trama, envolvendo o espectador no universo louco e cada vez mais fantasioso proposto. As próprias telas do artista desconhecido começam a ser analisadas por quem assiste ao filme, causando em nós o efeito de estar em um museu virtual contemplando essas pinturas. As atuações harmônicas são outro dos vários pontos altos dessa produção, contando com mais uma belíssima performance de Jake Gyllenhaal, um dos atores mais versáteis de sua geração, que representa um super badalado crítico gay e sua auto-noção de que pode apontar ou apagar os holofotes, direcionando perspectivas e definindo o que é ou não a boa Arte. Mas a força sobrenatural das pinturas vai sobressaindo enquanto esmaga cada um desses elementos inescrupulosos que tentam relegar obras-primas a segundo plano.

Do cinismo daqueles que consomem Arte – talvez em um atitude vã de parecer inteligente – à lógica mercadológica imposta pelo mundo de hoje, Velvet Buzzsaw escancara sua crítica sincera apontando dedos, identificando agentes e tentando acordar artistas, dando um forte tapa na cara na medida em que relembra que Arte é a expressão pessoal e não algo feito deliberadamente para a adoração de outrem, para enriquecimento de terceiros ou ainda para lisonjas de estranhos que se assumem maiores que o próprio ato criativo e sacrificante comum a todo e qualquer autor.
“Arte é nossa única salvação do horror da existência”, apesar da existência tentar constantemente reduzir a Arte ao horror do vazio.
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