Garimpo Netflix #6: Fantasia

O Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana 3 bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.


Muito já falamos aqui sobre a ficção científica e como ela é usada como pano de fundo para se discutir questões filosóficas fundamentais da condição humana (vide os Garimpos Sci Fi 1, 2 e 3). Se você tirar navezinha, robozinho e laserzinho da equação e incluir gigantes de pedra, deuses mitológicos ou ursos polares falantes, então a mesma coisa acontece, só que dessa vez convencionou-se chamar o gênero de fantasia. Assim como a ficção científica, a fantasia pode ser só uma desculpa para colocar exércitos gigantes de orcs lutando contra humanos e dragões cuspindo fogo, mas as melhores delas (e aqui não posso deixar de citar a trilogia “Senhor dos Anéis” e a série “Game of Thrones”) vão muito além, tirando-nos suficientemente da nossa realidade para que possamos ter algum senso crítico em relação à nossa própria existência e relações humanas.

Hoje no Garimpo Netflix temos exemplos de quase todas as vertentes. Desde um filme semi-bíblico de raro brilhantismo e densidade, até uma obra sobre a mitologia grega de beleza incomparável e passando por um longa infanto-juvenil subestimadíssimo, o gênero da fantasia é responsável por algumas das mais memoráveis experiências cinematográficas de hoje e de sempre.


– Noé (Noah), de 2014, dirigido por Darren Aronofsky

O corpo da obra de Darren Aronofksy é, ao meu ver e ao de quase todo mundo aqui do site, composto de puras obras-primas. Contudo, por muitas vezes tratar de temas polêmicos envolvendo espiritualidade, religião, fé e, principalmente, a própria natureza humana, alguns de seus filmes, a exemplo do mais recente “Mãe!” (que é até hoje a única obra que recebeu as inalcançáveis 6 claquetes do nosso sistema de 1 a 5 de notas e foi eleita aqui no site como o melhor filme de 2017 em nosso Top 10 – Melhores Filmes de 2017), são envoltos em uma controvérsia tal que mascaram suas qualidades com um véu de pré-concepções sobre a obra.

Noé é uma delas, notadamente por pegar a história bíblica que todos conhecemos de Noé e dar ela uma roupagem mais compatível com um filme de fantasia do que com um filme que se proponha bíblico. Não é mesmo o caso aqui. Aronofsky se vale da história de Noé para, como é comum em sua filmografia, falar sobre a luta interna do ser humano para, a despeito de tudo, aceitar a sua própria natureza e ser quem se deve ser. Aqui ele produz a sua obra mais forte neste sentido (talvez empatada com “O Lutador“, mostrando de forma desesperadora o conflito, a culpa e a dor que Noé carrega consigo por causa de todas as coisas que sua inabalável fé e seu senso de dever para com seu Deus o obrigam a fazer.

É, em minha modesta opinião, das melhores coisas disponíveis na Netflix no momento, a melhor atuação da carreira de Emma Watson e uma das melhores de Russel Crowe, em um elenco que ainda conta com os ótimos Logan Lerman, Jennifer Connely e Ray Winstone. E ainda tem gigantes de pedra!

– Imortais (Immortals), de 2011, dirigido por Tarsem Singh

Antes de virar o Super Homem, Henry Cavill era só um cara bonitão da série “The Tudors”, o que, junto com seu abdômen, veio a lhe render o papel de protagonista deste Imortais. Um filme de fantasia violento, deslumbrante, em que todo mundo é lindo e que ainda lida com uma mitologia, a grega, largamente reconhecível por todo o mundo era uma aposta certa de que seria um puta sucesso mundial. Mas não foi bem esse o caso, com Imortais meio que inexplicavelmente mal se pagando, mesmo tendo sido lançado mais ou menos na mesma época que o muito inferior e de temática parecida “Fúria de Titãs”, que bizarramente ganhou uma continuação ainda pior.

De todo modo, o seu fracasso nas bilheterias não afeta em nada as evidentes qualidades deste filme. Contando com um desenho de produção que é das coisas realmente mais espalhafatosamente lindas de se ver da história do Cinema – uma característica das obras do diretor Tarsem Singh – e efeitos especiais estonteantes que só abrilhantam mais toda a belíssima estética do filme, a obra se presta a contar uma versão da história mitológica do herói helênico Teseu (Henry Cavill) e sua luta contra o Rei Hipérion (Mickey Rourke, ótimo) com muita (muita mesmo) ação, aventura e cenas fantásticas.

Apesar de não ser lá o roteiro mais maravilhosamente bem escrito do mundo, a beleza visual deste filme e o grau de entretenimento puro que ele traz mais do que compensam.
– A Bússola de Ouro (The Golden Compass), de 2007, dirigido por Chris Weitz

Hollywood é sempre aquela mesma desgraça. Se um tipo de filme faz sucesso, tenta-se ao máximo copiar a fórmula para tentar faturar em cima. Os exemplos são tantos e tão óbvios que sequer vou perder meu tempo enumerando-os aqui, mas, com o estrondoso sucesso da trilogia Senhor dos Anéis e os avanços tecnológicos que a possibilitaram, as produtoras danaram de lançar filmes de fantasia com uma pegada mais juvenil baseados em livros. Assim foi com as “Crónicas de Nárnia”, o excelente “Stardust” e este subestimadíssimo A Bússola de Ouro.

Misturando fantasia e ficção científica (que, como já falei ali em cima, são basicamente a mesma coisa), A Bússola de Ouro se valeu de um elenco capitaneado por Nicole Kidman e Daniel Craig para contar uma história de universos paralelos, bruxas, ursos polares guerreiros fodásticos, tirania e no qual cada ser humano nasce já com um animal atrelado a sua alma. No caso, temos ainda aquele clichê de sempre da criança destinada a salvar o mundo sabe-se lá porquê. Seja como for, funciona lindamente, tem efeitos maravilhosos, atuações competentes e uma história que tinha tudo para ter as continuações que os livros têm, mas que custou 180 milhões de dólares e sequer se pagou.

É um filme perfeito para crianças e adolescentes e que pode ser facilmente apreciado também pelos adultos.

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