Oscar 2019 - Pitaco MetaFictions

E mais uma vez começa a festa mais glamorosa – mas não a mais importante – do Cinema. A festa da indústria, mais do que da Arte, na qual os premiados tendem a ser aqueles cujos lobbys foram mais importantes do que qualquer mérito artístico.

De uns tempos para cá, os Oscars têm sido a ilustração da falta de criatividade que enfrenta a indústria norte-americana. De épocas nas quais era extremamente difícil selecionar um preferido, dentre os cinco que eram indicados a melhor filme, passando por anos em que obras-primas da cinematografia mundial haviam sido lançadas e disputavam o careca (como, por exemplo, “Birdman“, “Whiplash” e “Boyhood“; ou “A Grande Beleza” e “A Caça“, no que tange os estrangeiros), nos anos mais recentes a Academia tem sofrido a consequência deste hiato criativo.

Ainda que o número de indicados a melhor filme tenha aumentado para 10 possíveis (mas quase nunca chegando a preencher todas as vagas), os títulos que surgem na briga pela estatueta dourada de melhor filme, tão visada pelos mestres do ofício, são pouco inspirados. Assim também tem sido a tendência nas atuações masculinas, nas quais um ou dois tem grande destaque; ficando com as mulheres os grandes índices de excelência, em uma enorme dificuldade de se adivinhar quem será a vencedora.

O 91º Oscar traz, no tocante a melhor filme, uma – e uma tão somente – grande obra para resistir ao tempo. Trata-se de “Roma“, do fabuloso Alfonso Cuarón e vencedor do nosso Top 10 – Filmes de 2018, seguido de longe – bem de longe – de uma produção íntima de Spike Lee, restando aos demais uma falta de entendimento por parte do espectador no que se refere a indicação como destaque do ano. A falta de disputas tão acirradas, como em outras épocas, traduz o afogamento que sofre o Cinema, restando ao bebê Netflix o posto de grande salvador da premiação, com a obra mexicana.

A seguir vamos apresentar as duas votações que fizemos: o nosso bolão interno de quem achamos que a Academia vai premiar enquanto o ser previsível que ela é e a votação de quem achamos que merece ganhar, esta última acompanhada de um textinho. Aproveitem!

Melhor Montagem – Bohemian Rhapsody, por Vlamir Marques.

Nunca é uma tarefa fácil adaptar uma biografia para o cinema – informação demais, tempo de menos. Imagina o tamanho da pemba que John Ottman encarou ao editar Bohemian Rhapsody! Como contar em pouco mais de duas horas a fabulosa carreira do Queen e a vida pessoal de um ícone absoluto como Freddie Mercury? Não fosse o bastante, os 20 minutos finais foram uma recriação, tomada-a-tomada, do lendário Live Aid de 1985, realizado de tal maneira que é difícil acreditar que aquelas não são as imagens originais. Ottman consegue fazê-lo e ainda alinhavar toda a película com as maravilhosas apresentações de Mercury e Cia. que, convenhamos, foi o que todos pagamos para ver, transformando o que seria apenas mais uma cinebiografia num espetáculo à altura de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos.


Melhor Cinematografia – Roma, por Gabriel Eskenazi.

A fotografia é acertada por um conjunto de fatores: posição da câmera, iluminação, posição de atores, entre outros. Com isso criam-se as belas pinturas que vemos na tela e nos enchem os olhos. Roma não só desfrutou deste conceito mas o elevou a um nível pouco visto no cinema. A delicadeza da fotografia da obra de Cuarón, assinada por ele mesmo, consegue transformar coisas não palatáveis esteticamente em obras de arte. O preto e branco adicionou ao filme de forma que temos cores em sua ausência, a vida dos planos e do que está enquadrado neles é notável e, claro, estonteante, colocando o azul, vermelho, verde, etc, de lado e, francamente, desnecessários. A câmera se movimenta suavemente, dando personalidade ao filme e, consequentemente, a fotografia. Alfonso Cuarón recortou e juntou obras de arte, deixando qualquer um emocionado com sua delicadeza e habilidade.

Melhor Roteiro Adaptado – Infiltrado na Klan, por Ryan Fields.

Spike Lee, Kevin Willmott, David Rabinowitz e Charlie Wachtel dão vida ao livro de Ron Stallworth, que conta a sua experiência na força policial no Colorado ao se “infiltrar” na Ku Klux Klan pelo telefone, tendo como infiltrado de corpo presente seu parceiro Flip Zimmerman. Com uma abordagem ácida e escrachada de uma parcela branca e racista dos EUA e com um ar levemente cômico, o trabalho de adaptação da obra consegue resgatar com maestria o ambiente de tensão e luta pelos direitos civis em plena década de 70. A construção dos acontecimentos que nos leva ao clímax final – que é um dos maiores tapas na cara dos últimos anos no cinema – é feito, ao mesmo tempo e de forma até paradoxal, com cenas que instigam grande revolta e outras de extremo apaziguamento. Esse quarteto fez algo tão atual quanto necessário e merece o Oscar. Nada como olhar para o passado para entender o presente.


Melhor Roteiro Original – Roma, por Rene Vettori.

Parte da força de um filme está nas palavras deixadas como um guia ao diretor, que as utilizará para reger sua orquestra pessoal em uma sinfonia cinematográfica. Tanto o desenvolvimento narrativo quanto a profundidade dos personagens que compõem a história são os principais elementos a serem lapidados cuidadosamente para que de um “bloco de mármore” saia a “estátua de David”. Quando Alfonso Cuarón se utiliza de suas memórias de infância para esculpir uma obra de arte tão mais profunda quanto mais pessoal se apresente, o resultado é uma produção de beleza ímpar, que faz entoar sentimentos dos mais puros. A simplicidade, a beleza e, sobretudo, a sinceridade do que se fala são imperativas para fazer deste roteiro um material de extremo vigor a ser a base – tal como foi – de uma realização memorável.


Melhor Atriz Coadjuvante – Rachel Weisz, por Ryan Fields.

A Favorita é essencialmente uma peça de teatro com grande valor de produção. Dito isso, fica evidente que, acima de tudo, as performances dos principais atores precisam estar azeitadíssimas para que o longa funcione, uma vez que apenas diálogos carregam o filme do início ao fim. Rachel Weisz, em sua atuação, conduz as cenas com maestria, dando vida a Lady Sarah com muita imponência e personalidade. Considerando que no mesmo longa outra atriz, a Emma Stone, disputa a mesma categoria, entregando também uma performance invejável, o destaque que Rachel consegue mostra a sua competência já comprovada em 2006, quando venceu como Atriz Coadjuvante em “O Jardineiro Fiel”.


Melhor Ator Coadjuvante – Adam Driver, por Gustavo David.

Adam Driver é um dos melhores e mais versáteis atores americanos de sua geração. Ele consegue interpretar aqui um judeu enrustido embarcando numa cruzada de outrem contra o racismo com a mesma verve e naturalidade que interpretou um caipira ladrão e amputado em “Logan Lucky“, um motorista de ônibus que é a definição do que é ser normal em “Paterson” e, é claro, o já famosíssimo e amado Kylo Ren da nova trilogia de Guerra nas Estrelas”. E isto tudo sem contar que, mesmo sendo feio que dói, ele também já foi galã na série “Girls”. Trata-se de um ator completo que recebe, aos 35 anos, sua primeira indicação ao Oscar por uma performance excelente naquele que é o mais necessário e panfletário dos filmes desta temporada do Oscar.

 Melhor Atriz – Glenn Close, por Marco Medeiros.

Glenn Close é uma daquelas atrizes que todo mundo tem certeza de que já ganhou mais de um Oscar. É de cair o queixo descobrir que a mulher que fez com que todos os homens da Terra pensassem duas vezes antes de dar uma pulada de cerca em “Atração Fatal” (coelhos podem ser assustadores) ou nos deixou assustadoramente apaixonados pela terrível e poderosa Marquesa de Merteuil, em “Ligações Perigosas”, ainda não tenha um homenzinho dourado. Com sua sétima indicação, a Academia tem a chance de desfazer esse tropeço e premiar uma das maiores estrelas do Cinema. Em “A Esposa“, Mrs. Close enche a tela com Joan, casada com um escritor recém-laureado com o Nobel de Literatura. Sem querer dar spoilers, sabe aquela história de “por trás de um grande homem”? Pois é, piora. Sua performance toca no mais alto cume que qualquer ator gostaria de atingir nas artes dramáticas. É mais que forte, mais que profunda, mais que relevante. É simplesmente sublime. Em uma das cenas mais emblemáticas do longa, Joan afirma que seu ofício é fazer reis. Simbora, Academia. Entregue a coroa e a estatueta a essa que, aos 71 anos, é, sem sombra de dúvidas, uma das rainhas da sétima arte.


Melhor Ator – Christian Bale, por José Guilherme Vereza.

Quem diria? Aquele garotinho de 13 anos deslumbrado com o voo rasante do Cadillac dos Ares e que sofreu o diabo em “O Império do Sol” está prestes a ganhar seu segundo e merecido Oscar. O primeiro foi de ator coadjuvante em 2011 em “O Vencedor”, de David O. Russell. Ao interpretar Dick Cheney em “Vice“, de Adam MacKay, Christian Bale extrapolou seu talento de ator camaleônico. Sua obra inteira é multifacetada de personagens marcantes, entre eles os três Bruce Wayne/Batman que nos fez jurar que super-heróis existem. Mas em “Vice“, Bale foi mais um Bale surpreendente. Não leve em conta o duro que deu para engordar 20 quilos, atarracar o pescoço com ginástica localizada, raspar a cabeça, descolorir sobrancelhas e se fazer 33 anos mais velho do que é. Não. O valor da sua interpretação não foi a metamorfose. Foi em nos fazer acreditar que estávamos diante de um personagem histórico e controverso com toda perfeição convincente. Creio que tanto melhor é o ator que não se deixa ver como ator. Mas como a pessoa que ele na tela incorpora mediunicamente. Bale não é real. Seu Dick Cheney fabuloso é que é.

Melhor Animação – Homem-Aranha no Aranhaverso, por Valentina Schmidt.

Difícil encontrar mais palavras para descrever a maravilha que é Homem-Aranha no Aranhaverso. Simplesmente uma das melhores animações e filmes de super-heróis dos últimos 15 anos. O primeiro longa da Marvel lançado após a morte de seu criador, Stan Lee, conta a história de Miles Morales e sua jornada após se tornar o novo Homem-Aranha. Graças a umas “complicações”, ele conhece cinco outros Aranhas de realidades alternativas e, juntos, terão que enfrentar um perigo capaz de destruí-las. A clássica história de origem do herói é totalmente repaginada e conta com um visual deslumbrante e dublagem impecável, especialmente a brasileira. Lee e Steve Ditko, criadores do nosso amigo da vizinhança, não viveram para prestigiar a animação. Mas não há dúvidas de que estão lá em cima (ou seja lá onde você acreditar que estejam) orgulhosos dessa obra.


Melhor Diretor – Alfonso Cuarón, por Rene Vettori.

Poucos são os diretores que conseguem se manter autorais mesmo em produções que envolvem o controle direto dos grandes estúdios. Poucos são aqueles que, em meio a tantas crises de criatividade no Cinema, conseguem lançar uma obra tão profunda e poética quanto mais simples é sua história narrada. Mais do que isso, que conseguem manter sua visão e “bancar”, em meio aos contos cheios de piruetas e dinheiro e vazios de conteúdo, uma produção toda falada em espanhol e mixteco, contando sobre os dramas pessoais e cotidianos de uma faxineira na casa de uma família de classe média alta. Seja no universo espetacular de Harry Potter (em seu melhor episódio), seja em uma viagem ao Grande Desconhecido Universo, ou mesmo no dia-a-dia simplório de alguém humilde, Alfonso Cuarón expõe com maestria a necessidade humana de repensar suas relações mais intrínsecas, em jornadas pessoais de autoconhecimento, de maneira lindamente poética e, por isso, definitivamente artística.

Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro – Roma, por Leilane Vettori.

Das longínquas memórias de infância à tela majestosa do cinema – passando pela casa de cada um por meio do streamingRoma é aquela poesia simples e delicada e ao mesmo tempo marcante a partir de seus silêncios, paisagens e dramas contundentes acerca das relações familiares. Lindamente fotografado em preto e branco, a narrativa traz a história de uma empregada doméstica que se vê diante de uma família a se desestruturar. Em meio aos seus dilemas pessoais, a protagonista percebe que o afeto é a resposta para os conflitos. Relações de poder, preconceitos e a frieza humana são lentamente superados e ressignificados pelos gestos de amor e cumplicidade de seus personagens. Roma, em conclusão, é um belo filme de amor.


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