Crítica: Jorginho Guinle: $ó se vive uma vez

Diz a lenda que, perto do fim de uma das mais fascinantes e fulgurantes vidas do século XX, Jorginho Guinle admitiu ter cometido um erro de cálculo: vivera mais tempo que a enorme fortuna. Aos 88 anos, o playboy mais encantador e notório bon vivant do Brasil, aquele que contabilizara Marilyn Monroe e Rita Hayworth entre suas conquistas amorosas e jurara a si próprio não trabalhar um só dia de sua vida, morreu como símbolo maior de uma família que personificou a classe, o dinheiro, a elegância e o encantamento de um mundo e de um Rio de Janeiro que, para o bem e para o mal, perderam-se no tempo.

$ó se vive uma vez, docudrama assinado por Otávio Escobar, se dedica a lançar mais luzes e construir mais magia sobre o homem que foi testemunha ocular e alegre convidado da História. Por meio da dramatização de momentos de sua vida, nos quais é encarnado por Saulo Segreto, e por depoimentos de membros da família, amigos e pesquisadores, sua hora e meia leva o espectador a se divertir e se chocar com o glamour que 99,99% de nós jamais irá experimentar na vida inteira.

De cara, é preciso dizer que a parte documental do longa supera em muito a parte dramatizada, que, talvez na ânsia de representar o surreal lado de uma sociedade obscenamente rica e poderosa, sofre de uma afetação que, por vezes, toca na tosquice. Não ajuda também o fato da mão da direção pesar bastante na condução de tais cenas e do protagonista optar por uma linha de atuação que soa caricata em certos momentos. Some-se a isso um setor de figurinos e maquiagem que encarna bem o adjetivo sofrível.

No entanto, quando o filme se estabelece como documentário, os resultados são muito mais meritórios e agradáveis. Moldando um retrato carinhoso da figura Jorginho Guinle, constrói-se também um quadro afetivo de uma época, um mundo e um Rio que já não existem. É simplesmente delicioso ouvir aquelas histórias sobre festas, celebridades de Hollywood, presidentes do país e navios luxuosos que demoravam 15 dias para fazer a travessia até os portos europeus, o que “obrigava” as pessoas a fazerem viagens que durassem pelo menos seis meses pelo continente para fazer valer o “tempo perdido no mar”.

A produção também acerta ao lançar luz sobre aspectos pouco discutidos da vida de Jorginho Guinle. Sua paixão por filosofia por exemplo e sua passagem pelos estúdios de cinema da Era de Ouro de Hollywood, na função de “assessor para assuntos latino-americanos” são facetas pouco conhecidas do mito. Assim, cumpre-se uma satisfatória dupla função do gênero documentário: apresenta-se o assunto para quem não o conhecia e sacia-se a sede de novidade dos já iniciados nas aventuras do galante playboy.

Além do robusto arcabouço de pesquisa histórica sobre o Brasil e a família Guinle, é bem construído, também, o retrato sentimental do homem Jorge Guinle. Para isso, conta-se, inclusive, com momentos raros em produções do tipo que, mais afeitas a incensarem as figuras representadas, evitam os aspectos contraditórios ou pouco bonitos do biografado.

No fim, Jorginho Guinle: $ó se vive uma vez (e digo que esse cifrão no título é de uma breguice e obviedade que ofenderiam a elegância do homem que escolhe morrer no Copacabana Palace e pede que escrevam “aqui jazz” em sua lápide) é um testemunho de uma vida que, plena de adjetivos, foi ,no mínimo, bastante interessante. E, tal qual o Rio de Janeiro no qual se passaram a maior parte dos seus anos, uma vida que foi muito, muito, muito charmosa.

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