Crítica: O Menino que Descobriu o Vento (The Boy Who Harnessed the Wind)
Adoro filmes “baseados em fatos reais”. Sempre achei que eles criam uma ilusão de proximidade maior com a vida e permitem-me ter um instante de esperança de que em algum momento algo de fato extraordinário venha a acontecer no mundo. Infelizmente, isso não passa muito da esperança e muitas vezes me perguntei quão próximo do “fato real” é o filme. Sempre me pareceu haver muito mais “baseado” que realidade, já que na esmagadora maioria das vezes eu ou conhecia a história original e elas não casam, ou nunca ouvi falar daquilo e não havia como avaliar. No entanto, na Sexta-feira, a Netflix lançou um filme cujo enredo eu conhecia muito bem.
O Menino que Descobriu o Vento (“Domou o Vento” no original me soa bem mais legal) é a adaptação da história de William Kamkwamba, um guri pobre que deus-me-livre, vivendo num vilarejo no Malaui, que aos 14 anos de idade, depois de ser expulso da escola porque não podia pagar mensalidade, construiu uma turbina eólica usando um livro de física de segundo grau escrito em inglês – que ele entendia muito mal e que consultou basicamente olhando as figuras – e materiais encontrados num lixão. O moinho de vento gerava a eletricidade necessária para acender 4 lâmpadas pra que ele pudesse estudar à noite e alimentava o rádio da família. Não satisfeito, William aperfeiçoou o projeto e construiu um segundo moinho. Este alimentava uma bomba d’água, que permitiu irrigar as terras da vila durante um longo período de seca e fome no inicio dos anos 2000. Eu descobri a história ao procurar vídeos inspiradores do Ted Talks no Youtube para mostrar a uma turma de alunos que reclamavam da sua falta de oportunidades. O vídeo pode ser assistido aqui:
O resultado foi precisamente o que eu esperava. Ao mostrar o curtíssimo vídeo (cerca de 5 minutos) durante minha aula, os alunos se entreolharam até que alguém perguntou “o que caralhos eu estou fazendo com a minha vida?”. E a pergunta é exatamente essa: o que, puta que nos pariu, estamos fazendo com as nossas vidas? Nós, estúpidos, arrogantes e miseráveis, com nossas desculpas e nossa auto-piedade, choramingando por um carro novo ou porque o diretor da escola não entende que queremos liberdade pra usarmos a roupa que quisermos porque queremos expressar nossa individualidade. Em algum lugar tem algum menino ou menina fudido de verdade, tentando arrumar o que comer no fim do dia. E não tô falando daquele que pode pedir pra alguém pagar o lanche no sinal. To falando daquele que nem sinal de trânsito tem e nem mesmo tem pra quem pedir nada.
Escrito quase que inteiramente no dialeto Chichewa, falado na região do Malaui onde Kemkwamba cresceu, o filme, dirigido pelo maravilhoso Chiwetel Ejiofor, astro de “12 Anos de Escravidão” – e que aqui, além de dirigir, também assina o roteiro adaptado e atua como o pai de William -, acerta em praticamente tudo o que se propõe a fazer. É um daqueles filmes de rasgar o coração em que não há nada que esteja ruim que não possa ficar pior e que, ainda assim, nos mostra como aos olhos sonhadores de uma criança ainda há esperança para a humanidade. Maxwell Simba, que faz o papel do próprio William e tem como biografia no IMDB, além do nome, apenas esse filme, tem um daqueles rostos adoráveis que nos faz querer acompanhar cada expressão. No papel de Agnes Kamkwamba, mãe de William, a atriz franco-senegaleza Aïssa Maïga traz a visão importantíssima da mulher num mundo duro, dominado pelos homens e suas mesquinharias e merece aplausos não apenas pela atuação, mas por ser a única outra pessoa no planeta que tem o mesmo nome da minha irmã!
Se você está precisando de um choque de realidade pra tirar o rabo do sofá e ir viver (e, acredite em mim, você ESTÁ precisando!), assista a esse filme e permita-se a pergunta: “Que porra eu estou fazendo da minha vida?”. Porque em algum lugar do mundo, hoje com um diploma de engenharia na Universidade de Dartmouth, há um menininho que, em vez de reclamar do mundo ou implorar aos céus, apesar de todas as dificuldades que a vida o impôs, como ele mesmo diz de forma magnífica: “Eu tentei… e consegui”.
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