Crítica: Seu Filho (Tu Hijo)
Nos debates acerca do fazer História, entendemos seu caráter polifônico. Isto é, ela tem várias vozes. E, como tal, não é produtora de verdade, mas de representações de uma verdade. O olhar detalhista do historiador é mergulhado em um background formador da suas percepções e, por isso, sua perspectiva é, de antemão, orientada. Não só para a História enquanto ciência, mas para qualquer fato sobre o qual debruçamos nossos olhares e análises. Não há espectador isento. Não há fato que fale por si só. Há a interpretação sobre ele, seguida de uma narrativa do que se entende. O espanhol Seu Filho nos coloca dentro das várias conclusões que podemos tirar de um mesmo acontecimento.
Jaime (Jose Coronado) é um médico atencioso e empenhado em seu trabalho. Dentro de casa, suas atitudes não são diferentes. Apesar de pouco íntimo da filha, ele é bem próximo do filho, com quem faz exercícios e troca brincadeiras. Acostumado a administrar a vida em um alto nível de estresse, devido ao seu trabalho, Jaime mantém o controle do que está ao seu alcance, vivendo de maneira regrada e tranquila. Mas todo o seu universo pessoal é chacoalhado quando o filho Marcos (Pol Monen) é brutalmente espancado, a priori sem qualquer motivo, na saída de uma boate local. Tendo que conviver com a investigação policial que não avança significativamente, Jaime resolve seguir uma intensa jornada pessoal para honrar o filho, que resiste sem ainda acordar.

O diretor Miguel Ángel Vivas é preciso no modo com o qual leva a narrativa do filme. Colocando-nos de frente para o pesado drama que vive Jaime, de cara temos uma empatia criada na relação com este personagem. Ainda que não se tenha filhos, é muito fácil sentir na pele quando uma ação hedionda é praticada a um familiar. Tendo-nos na sua mão, Miguel segue no desenvolvimento da história, afundando o protagonista em seus abismos mais obscuros e solitários. No decorrer do conto, um embate moral e ético vai dando forma à transformação de Jaime, enquanto luta internamente pela tão clamada justiça. Mas o que é a Justiça se não um construto social, que se desfaz e refaz ao longo dos tempos? “Olho por olho, dente por dente” seria, ainda hoje, considerado o trivial na execução deste direito tão cobrado por cada indivíduo?
Até que ponto uma iniciativa pode ser vista como justiça ou vingança? Na resposta à esta pergunta, por vezes nos vemos a concordar com as tênues linhas pelas quais Jaime atravessa, percebendo, em suas consequências, o quão débil é o nosso senso social. Toda a empatia antes criada vai dando lugar a novos julgamentos, quando revelações são feitas. Mas, em conclusão, estamos a contemplar um conto por demais humano, que desarruma a frágil roupagem de ovelha a esconder lobos por natureza. O homem é, de fato, seu próprio predador; e o instinto de todo e qualquer animal é proteger seus iguais.

Como em um baile de máscaras, no qual um diabo se disfarça debaixo de uma fantasia, rondando a presa mais fácil para confundi-la e seduzi-la ao seu prazer, assim Seu Filho imprime ao espectador um conflito comum a todo e qualquer ser: até que ponto a moralidade e a ética são barreiras a limitar a ação exclusivamente pessoal de um indivíduo? E como equilibristas amadores, em um circo de horrores, continuamos a andar desengonçados na corda bamba de nossos dias.
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