Crítica: Uma Viagem Inesperada (Viaje Inesperado)
O cinema argentino já é, sem dúvida nenhuma, uma das forças mais criativas e bem realizadas da arte argentina. As produções dos hermanos se destacam por roteiros arrojados, atuações preciosas e uma aparentemente inesgotável capacidade de surpreender a plateia. Do intercâmbio com o vizinho, o Brasil pode ganhar muita coisa para o nosso cinema. Infelizmente, não foi com a co-produção Uma Viagem Inesperada que a paz e o pacto de filmes perfeitos entre os dois países se concretizaram.
Dirigido por Juan José Jusid , o longa conta a história de Pablo (Pablo Rago), um engenheiro argentino que, vivendo e trabalhando no Brasil na companhia de sua bela namorada Lucy (Débora Nascimento), se vê obrigado a voltar para sua terra natal. O motivo? Seu filho adolescente Andrés (Tomás Wicz) passa por uma crise que mescla problemas na escola, um histórico de violência e isolamento. Partindo em uma road trip com o jovem, Pablo é confrontado com sua paternidade, as dores do filho e as suas próprias.
Olhando-se apenas ao plot, a sensação é a de que algo bom pode sair daí. Temas fortes e importantes como amor, morte, suicídio, alcoolismo e armas são servidos à farta nos seus 87 minutos. O problema é a indigestão que paira sobre cada cena, causada por um roteiro e uma direção extremamente pesados, incapazes de criar qualquer arremedo de sutileza.
A produção também sofre por um excesso de didatismo que faz com que cada mínima sugestão seja obrigatoriamente mostrada de forma explicita. É uma narrativa que não deixa espaços para que o espectador preencha lacunas com sua própria imaginação. Pra se ter uma ideia da necessidade que se tem em mostrar tudo, foi difícil não controlar o riso quando a secretária do Pablo só se dirige a ele usando o vocativo “engenheiro”. Somos brindados por frases como “Engenheiro, tem uma mensagem pra você” ou “Engenheiro, a direção quer saber se você estará presente”.
Ainda no campo de roteiro e direção, algumas cenas enfiam os dos pés totalmente na jaca da breguice. A falta de delicadeza é tamanha, que momentos de puro drama sucumbem ante a força do kitsch. Chega a ser constrangedor.
Essa total ausência de refinação acaba por lançar lama na atuação dos atores. Rago e Cecilia Dopazo (Ana, a mãe de Andrés) batem cabeça perdidos que estão em um texto que não é actor friendly. As poucas cenas de Débora Nascimento são suficientes para enrubescer rostinhos mais sensíveis. Com a garra congênita dos argentinos e a força que atores jovens buscam sabe-se lá de onde, Tomás Wicz é responsável pelos melhores momentos do longa, mas, como ele é ator e não demiurgo, sua atuação acaba se dobrando ao peso envergador que roteiro e direção impõem. Uma pena.
Nos aspectos mais técnicos, a produção não faz feio, mas também não impressiona. Fotografia adequada, direção de arte quase imperceptível, figurinos ok. A edição sofre pelo efeito do todo.
É, leitor Metafictions, essa viagem acabou se revelando realmente inesperada. Mas não pelos motivos certos.
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