Crítica: Areia Movediça (Quicksand)

Há pouco, o Brasil foi mais uma vez abalado por um tiroteio escolar. Algo que fora novidade para os noticiários daqui quando da incomparável ação de Wellington Menezes, nos idos de 2011, em um atentando na Escola Municipal de Realengo, parece ser cada vez mais familiar. Nos Estados Unidos, porém, o número de incidentes acerca de massacres em escolas é sempre crescente. O fenômeno é mais comum do que se imagina e diversos são os países que carregam esta marca penosa em seu histórico. A nova série sueca da NetflixAreia Movediça, narra a história de Maja, envolvida em um caso desses e indiciada como parte do ataque.

Maja (em boa atuação de Hanna Ardéhn) é a típica aluna da classe média alta sueca, que divide seus dias com a família, melhor amiga e um trabalho que tem não por necessidade, mas por experiência. A vida perfeita dela se torna ainda mais intensa quando da chegada de um antigo conhecido, Sebastian (Felix Sandman), que se matriculara em sua escola. Ele, um multimilionário playboy, investe pesado na menina e os dois começam a namorar. Mas o cavalheiro romântico se revela um vagabundo drogado que afunda a doce garota em seu mundo sem limites e frustrações. “Na minha família, temos quem leve o lixo para fora por nós”, conclui ele mais de uma vez, em uma expressão de superpoder ilusório que o dinheiro costuma trazer.

O início perfeito.

A narrativa se divide em presente e passado. Enquanto acompanhamos os caminhos que levam Maja da cela primária ao julgamento acerca de sua participação no atentado escolar, conhecemos mais e mais sua história pessoal com “Seb”, desde os primeiros passos do relacionamento – quando tudo é mágico – até o aprofundamento de brigas que trazem feridas e cicatrizes no emocional de cada um dos envolvidos. Sebastian vai conhecendo o sentimento de frustração ao longo desta jornada e, sem conseguir lidar com isso, traga para dentro de um universo obscuro sua amada. Mas o que os levou a realizar o tal atentado, cuja cena nos é descrita de forma pouco detalhada na abertura da série? Essa pergunta é o principal motivador do espectador, que segue os 6 episódios tentando desvendar as motivações pessoais de seus protagonistas.

A série tenta, com pouco esforço porém, trabalhar diversos elementos e assuntos urgentes para a sociedade atual. Tiradas xenófobas – tendo como alvo um de seus personagens-chave, Samir (William Spetz) -, o ambiente desmedido de drogas entre adolescentes (talvez, o que teve mais foco em toda a produção), relações amorosas, relações familiares (outro ponto de destaque entre os temas levantados) e os sentimentos super-aflorados dos adolescentes que, por vezes, não sabem medir prós e contras e agem de maneira leviana para com tudo ao redor. Seb é a maior expressão de toda essa lógica, concentrando em sua persona o jovem que acha que tudo pode, mas que não sabe lidar de forma alguma com as primeiras negações que a vida começa a lhe impor.

Relações perturbadas.

Apesar do valor dos temas abordados pela série, o modo como são tratados deixa muito a desejar. Sebastian é rechaçado pela figura paterna, que só tem olhos para o irmão mais velho e orgulho do papai. No entanto, essa relação delicada e frágil de pai e filho não nos traz qualquer empatia ou compaixão pelo personagem de Sebastian, pois ele é, de fato, um imbecil completo. Um desses ricões que só faz besteira, que se droga a torto e a direito, que não produz nada para ninguém e ainda se acha uma espécie de Thor pós-moderno (cujo martelo invencível são notas infinitas produzidas pelo esforço de outrem; ou seja, nem mesmo aquilo que o sustenta no topo de uma cadeia veio minimamente de um esforço próprio) – este é Sebastian, um garoto que, por essência, não inspira o menor afeto em ninguém. Nem mesmo em seu pai. Mas esta relação pouco amistosa o faz sentir profundamente.

Toda essa construção, no entanto, não vai levando Seb para o caminho definitivo já sabido pelo espectador desde a primeira cena: o massacre na escola. Quase toda história desse tipo, em nosso mundo real, apresenta a menor motivação possível: eles viam na escola seu templo pessoal de frustração e, por isso, agiram dentro desse espaço, contra pessoas que se mostraram mais um tijolo em seus muros imaginários. A escola pode ser um ambiente extremamente nocivo (costumo dizer aos meus alunos, quase diariamente). Porém, sua figura dentro do universo de Seb não tem o menor destaque. Nada que nos fora apresentado na narrativa deste personagem ou de nossa protagonista nos faz entender a motivação que os levou (ou não) a cometer um crime desta expressão. A costura do fenômeno que nos fez entrar nessa história com o que nos foi exposto acerca de seus personagens é nula. Não há qualquer relação. Não há nada. Não parece ter uma razão de ser. E Maja no meio desse caos, com menos motivação ainda.

Caos.

Uma história que, em sua sinopse, se apresentara com grande expectativa para mim resultou em uma experiência que marcou definitivamente falhas na construção de sua narrativa. Há, sim, um conto interessante por trás desses elementos. Há tecnicamente uma obra que cumpre com o que propõe. Há boas atuações. Mas não há muito sentido. Não há profundidade. Mais do que isso, conclui-se que Areia Movediça quis falar sobre tantas coisas – tendo muitos elementos para isso – mas se perdeu em meio ao seu castelo de temas. Como cartas colocadas uma em cima da outra em uma ação grandiosa, o leve sopro do sentido bateu derrubando o alicerce fino e maleável que tentava sustentar a colossal construção de seus realizadores.

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