Crítica: Duas Rainhas (Mary Queen of Scots)

Uma das tretas mais famosas da História é a disputa entre Mary Stuart e Elizabeth I. O final da contenda todo mundo sabe e ele envolve uma cabeça cortada. Duas mulheres fortes, um trono e uma coroa em jogo, um Império. A arte não ficaria imune a esses ingredientes e, obviamente, eles serviram de base para vários filmes, livros e peças, incluindo uma obra-prima de Friedrich Schiller. Agora as duas moças retornam às telonas em Duas Rainhas, de Josie Rourke, com Mary se corporificando na excelente Saoirse Ronan e Elizabeth ganhando vida pelo trabalho de Margot Robbie.

De cara é preciso dizer que Duas Rainhas é, com trocadilhos, um trabalho de duas soberanas. A alma da produção está nas performances de Ronan e Robbie. A atriz irlandesa, já indicada 3 vezes ao Oscar e não tendo ainda completado 25 anos de idade, brilha totalmente e assume o protagonismo do longa com louvor (convém lembrar que o título original é Mary, rainha dos escoceses). Sua Mary é carismática, vibrante, forte e vulnerável ao mesmo tempo. Centrado no período do seu retorno à Escócia depois da viuvez na França até seu triste fim de vida, o roteiro permite que a atriz ganhe oportunidades gigantescas de mostrar versatilidade. E, malandra do seu métier, Dona Saoirse (ah esse nome de pronúncia sem pé nem cabeça) não desperdiça nenhumazinha.

Já a Rainha Virgem recebe uma atuação bastante inspirada também da atriz australiana. Margot Robbie cria uma Elizabeth tensa, marcada (inclusive no rosto por um trabalho de maquiagem maravilhoso que reproduz a varíola da rainha), vorazmente dividida entre o trono e seus desejos, sentindo e exibindo a dor de ser uma mulher poderosa num mundo dominado por homens que não curtem muito uma mulher poderosa. O encontro entre as duas (maior liberdade histórica do longa, já que ele nunca aconteceu na vida real) é de deixar o espectador vidrado.

Como é de se esperar em um filme de época com um orçamento generoso, o setor de figurinos, cenários e direção de arte é simplesmente (com trocadilhos de novo) majestoso. A fotografia também não faz feio e deslumbra a tela com imagens amplas, paisagens de encher a vista, Inglaterra e Escócia em plena potência. Duas Rainhas é um portento visual.

No entanto, a produção deixa um gosto de “falta alguma coisa” na boca. Tempero decerto. A grande falha que Josie Rourke não consegue esconder no seu trabalho é a falta de pegada no longa. Tem-se a sensação de que o tempo todo se promete uma explosão que não se concretiza.

A batalha das duas monarcas, parentes de sangue, mulheres fortes, fazendo-se uma analogia com o boxe, ganha uma ar de luta na qual vários socos são desferidos, vê-se o sangue jorrar, o suor escorre pela pele dos boxeadores, mas o sino final é soado e o nocaute não chega.

Essa falta de clímax escorre para a edição, que parece se perder em uma sucessão de cenas visualmente grandiosas, magistralmente fotografadas, encenadas por duas atrizes no domínio das personagens, mas que parece, ao final de tudo, não levar a lugar algum.

É uma pena. O embate de Mary e Elizabeth deveria se encerrar por nocaute. Não por pontos.

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