Crítica: Nada Santo (Lo Spietato)
Desde que Scorsese mostrou ao mundo sua sensibilidade e força para apresentar narrativas cujo foco principal eram criminosos mafiosos, gerando uma grande empatia do público apesar de todo um contexto amoral e violento criado por seu protagonistas, seus títulos se tornaram referência para obras posteriores que enveredavam pelo mesmo universo. Outro tipo de proposta ainda deste mesmo gênero ganhou popularidade quando das boas e antigas realizações de Guy Ritchie, que associavam timing de comédia em meio às práticas inescrupulosas e contestáveis de seus personagens. O novo lançamento da Netflix vem diretamente da Itália (país de origem do assunto e de origem da família de Marty) e consegue mesclar os dois estilos em um só.
Em Nada Santo (“Lo Spietato” no original, cuja tradução literal é “O Implacável”), o protagonista é Santo Russo (muito bem por Riccardo Scamarcio) – o que explica o título em português, a priori estranho, mas com muito sentido a posteriori – um ambicioso criminoso que deseja comandar o cenário mafioso de Milão. Suas origens na Calábria são constantemente escondidas aos que pouco o conhecem, mas a todo momento enaltecida em sua narração da história. Uma das nuances do filme, visto que a Itália se divide, em desenvolvimento econômico, entre Norte (rico, sendo Milão uma grande expressão) e Sul pobre (sendo a Calábria um interessante exemplo). Somos introduzidos, portanto, a todo o contexto que “criou” Santo. Em um vai-e-vem narrativo, sabemos que ele ainda garoto se mudara para Milão, onde fora preso injustamente, ainda moleque, e que seu dia-a-dia fora moldado na base da porrada, seja ela dentro de casa ou nas ruas. Apesar disso, o diretor Renato De Maria não cria uma lógica de julgamento ou vitimização (ainda bem!). Santo quer se meter no jogo sujo dos criminosos e o faz deliberadamente.

O que se segue nas sequências propostas pelo roteiro e realizadas pela direção de De Maria é o caminho que leva Santo Russo ao seu clímax naquele submundo tão pretendido. Porém, talvez a narrativa seja um dos pontos problemáticos da obra, e que se reflete em outros departamentos. Por vezes, temos a sincera impressão de se tratar de um apanhado dos melhores momentos de sua vida. Apresentado, portanto, de forma episódica, sentimos falta de contemplar como alguns conflitos que surgiram foram solucionados, ou até mesmo como eles apareceram. Em determinado momento, percebemos que suas ações, objetivando chegar ao topo do cenário criminoso, surgem quase como missões ou fases de um jogo que não se pretende um retrato mais profundo daquilo de que se está a falar. Apesar do carisma do personagem e de suas decisões atabalhoadas que geram ainda mais empatia por uma figura pouco convidativa como esta, a falta de conteúdo lapidado é sentida e atrapalha no desenvolvimento narrativo.
Com pinceladas de drama, o que se sobressai no modo em que a história é contada é uma estrutura que flerta mais com a comédia do que com o criminoso. Por isso, a introdução da presente resenha trouxe os estilos narrativos de Scorsese e Ritchie, visto que a referência a estes emerge das cenas produzidas. E, assim como nos principais filmes desses diretores, o que observamos é um mesmo padrão de acontecimentos que vão se desenrolando diante da vida do protagonista Santo Russo. Envolvimentos extraconjugais, traições, becos sem saída em negociações pouco amistosas com estrangeiros, drogas e um declínio pessoal devido à extrema e incontida ambição já estavam presentes nos principais e mais conhecidos lançamentos de Scorsese e igualmente estão marcados na produção italiana. Certamente que esses elementos são dos mais comuns na jornada de um mafioso e obviamente estariam representados no desenvolvimento de uma história como esta, mas a sensação de déjà-vu foi imperativa em diversos instantes, lembrando mais do que tudo – para mim, ao menos – “Os Bons Companheiros”.

Longe de ser um demérito para a realização, as referências – propositais ou até mesmo inconscientes – são sempre bem-vindas. Estamos em uma era que cada vez mais a associação com mestres desse ofício se torna quase que necessária. No entanto, basear-se tão somente nelas, em detrimento do aprofundamento do material que se tem em mãos, é um pecado. Aqui, especificamente, não um pecado capital, mas um ponto que se colocou no meio do caminho de uma obra que poderia, de fato, desabrochar e ser um tanto mais marcante.
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