Crítica: O Gênio e o Louco (The Professor and the Madman)
Foi difícil esconder uma risada de escárnio ao ler a sinopse de O Gênio e o Louco. Trata-se de um filme que se propõe a contar a história de como o mundialmente conhecido e utilizado dicionário de Oxford foi editado. A primeira e corretíssima impressão é de que, puta que o pariu, que porre que não deve ser esta merda. Imagine você que é contador, engenheiro, advogado ou seja lá o que for a história de como o livro básico de todo o seu ofício foi feito. Imediatamente você vai revirar os olhos e possivelmente adormecer com o tamanho tédio que o esforço de imaginar isso certamente causará.
Qual não foi a minha surpresa quando, durante as 2 horas e 4 minutos de exibição do longa, fui enlevado por uma obra filmada de forma linda e apropriadamente convencional, sem firulas ou invencionices, e que fala de elementos fundamentais de nós enquanto seres humanos, ao mesmo tempo que anda por uma linha muito tênue entre o sensível e o piegas, felizmente caindo poucas vezes para o lado errado.
Aqui temos Mel Gibson reeditando seu horrível sotaque escocês de William Wallace (mas que em nada prejudica a sensibilidade de sua performance) interpretando o pacato professor do título original em inglês, Sir James Murray. Ele, muito a contragosto dos dândis de Oxford que, muitos anos antes, haviam resolvido compilar toda a língua do maior império que a Terra já viu em um dicionário, mas vinham se mostrando incapazes de fazê-lo. Murray – autodidata, sem formação universitária e, principalmente, escocês – era escarnecido por pessoas que, diante de sua incomparável erudição na área da filologia, eram suas inferiores intelectuais, mas que viam nele talvez a última chance que teriam de finalmente conseguir fazer deslanchar o projeto do dicionário e, portanto, eram obrigadas a aturar este escocês imundo.
Em paralelo, acompanhamos também a história do Dr. William Minor (Sean Penn), um médico veterano da guerra civil americana atormentado pelo seu passado e sofrendo de severos problemas mentais que o levam a praticar um ato impensável, culminando com sua prisão em um manicômio judicial comandado pelo alienista Richard Brayne (Stephen Dillane) e guardado por Muncie, o sempre excelente Eddie Marsan.
Sem entrar em detalhes sobre as técnicas empregadas nem pelo professor e tampouco pelo louco que permitiram que o dicionário finalmente começasse a sair do papel, O Gênio e o Louco acerta ao focar nas relações humanas, entregando um filme que visa o tempo todo passar uma mensagem de esperança, calcada na improvável, mas absolutamente fortíssima, amizade que surge entre Minor e Murray iniciada e cultivada pelo simples fato de que um enxerga no outro uma alma irmã.
Não se trata de uma obra sobre as ambições máximas que levam um homem a se tornar obcecado por um objetivo, mas, sim, um libelo a favor do amor em todas as relações entre os homens, deixando claro, de forma às vezes até mesmo explícita demais, que é só ele que poderá nos salvar e que é só por ele que vale a pena viver. E é aqui que às vezes o roteiro e a direção às vezes dão uma falhada ou outra de tom, caindo algumas vezes em pieguices desnecessárias, com diálogos um tanto quanto constrangedores em algumas partes.
No seu auge, contudo, ambos os elementos se juntam de forma muito competente, em especial por causa de alguns excelentes diálogos e as muitas, relevantes e necessárias referências literárias que são feitas a todo tempo. O 2º ato da obra conta com diálogos e atuações realmente extraordinárias de Penn (que várias vezes exagera um pouco na sua interpretação de louco) e Gibson, exatamente no momento em que aquela amizade improvável se solidifica e torna inquebrantável, ainda que a montagem irregular da obra também se mostre mais presente a partir deste ato.
É inacreditável que o diretor e roteirista iraniano Farhad Safinia faça sua estreia na direção em um filme de mensagem positiva, sensível e até mesmo leve, uma vez que seu único longa escrito anteriormente havia sido o pesadíssimo e magistral “Apocalypto“, não por acaso dirigido por Gibson. Aqui ele opta pela segurança e por uma história contada de forma simples, o que é até mesmo um ponto forte da produção.
Ignorando quaisquer imprecisões históricas que a obra certamente tem e também um desenho de produção que comete vários erros, como por exemplo o de inexplicavelmente envelhecer só um personagem com o passar de muitos anos enquanto crianças permanecem do mesmo tamanho, O Gênio e o Louco é um filme que passou por muitas dificuldades em sua produção, e talvez isto apareça nos vários problemas técnicos aqui indicados, mas ainda consegue transbordar alma e amor o suficiente para que o espectador saia do cinema satisfeito e com alguma esperança no próximo.
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