Crítica: O Tradutor (Un Traductor)

Antes que qualquer coisa seja dita, é necessário comentar o potencial absurdo de O Tradutor para abalar o emocional daqueles que, como essa professora que vos fala, interage diariamente com crianças e sabe o quanto elas (apesar de constantemente atentarem contra sua paciência e sanidade) são vulneráveis e frágeis, tanto psicologicamente quanto fisicamente, necessitando de amparo e cuidado.

Dito isto, aqui estamos na Cuba de 1986 acompanhando a história do professor universitário Malin (Rodrigo Santoro), cuja fluência em Russo lhe torna peça necessária ao sistema de saúde cubano em seu novo projeto: acolher vítimas do desastre nuclear de Chernobyl para tratamento. Como o próprio nome do filme sugere, o professor de russo deve atuar como tradutor entre os pacientes e suas famílias e a equipe médica, facilitando a comunicação no cotidiano hospitalar.

Ambientado num contexto histórico extremamente marcante, o filme apresenta, de maneira satisfatória, a realidade do país socialista nos anos finais da década de 1980, em sua dinâmica interna e em sua relação com a União Soviética de Mikhail Gorbachev, sem se aprofundar nas questões políticas, apenas relegando-as ao pano de fundo. Sendo assim, acontecimentos históricos importantes como a queda do muro de Berlim e a crise econômica subsequente no país de Fidel são mostrados do ponto de vista de sua influência na trajetória do personagem.

A primeira meia hora do filme se arrasta um pouco, buscando mostrar o cotidiano do professor Malin antes de seu “chamado à aventura”, numa sequência que aproveita para introduzir sua dinâmica familiar e rotina profissional. Apreciadora da Trajetória do Herói de Campbell que sou, valorizo a escolha de um arco narrativo fechadinho, característica que se pode ver no personagem de Santoro: arrancado de sua rotina de professor, Malin se vê psicologicamente abalado pelo cotidiano hospitalar, no qual a esperança de melhoria muitas vezes se perde em meio a tratamentos pesados de quimioterapia e altos e baixos na expectativa de resposta aos medicamentos. Entre desnorteado em um primeiro momento e fortemente instigado por sua nova função no ápice da trama, vemos um arco bem escrito e colocado em prática de maneira bela por Santoro, cuja atuação inclui uma desenvoltura excelente dos idiomas falados em cena e uma capacidade fora de série em retratar dor, desespero, medo e tristeza de forma verdadeira, sem exageros ou maneirismos.

Em termos de boa atuação e riqueza de diálogos, o foco da película é a dinâmica que Malin estabelece com a enfermeira Gladys (Maricel Álvarez), cuja experiência profissional e empatia ajudam no processo de aceitação do professor de sua nova condição (destaque para a excelente atuação de Maricel aqui). Ainda neste núcleo, merecem destaque os momentos de Malin ao lado do menino Alexi (Nikita Semenov), cuja experiência no hospital, difícil devido ao isolamento necessário para seu tratamento, é modificada pela atuação do professor (recomendável deixar um lencinho a postos para essas cenas).

Em contraste com o núcleo anterior, a dinâmica das cenas em que vemos Malin negligenciar seu filho Javier (Jorge Carlos Perez Herrera) e entrar em atrito constante com sua esposa Isona (Yoandra Suaréz) são monótonas, agravadas pela atuação abaixo da média dos atores. Vale a pena, contudo, uma certa temática explicitada através das discussões de Isona e Malin, acerca de seus papéis na sociedade, cuja atualidade é um bom serviço do filme.

O grande deslize do longa, acredito fortemente, se encontra em seu desfecho, previsível até certo ponto e no qual vemos uma premissa narrativa mascarada de romantismo, mas que é na verdade problemática e que certamente incomodará muitas mulheres que assistirem o filme.

Apesar disso, O Tradutor se coloca como um filme digno de ser assistido, no qual certamente se encontram elementos importantes para uma reflexão sobre a resiliência humana.

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