Crítica: Sobibor

Século XXI. Quase um quinto completado. Manchetes tomam conta dos noticiários mundiais sobre ataques antissemitas na França que, segundo o Ministério do Interior, aumentaram em 74% tendo como comparação o ano anterior. Por vezes, cito Nietzsche em sua “Segunda Consideração Intempestiva” acerca da diferença entre o ser humano e qualquer outro animal: nós somos seres históricos, enquanto os demais não fazem qualquer relação entre passado, presente e futuro, vivendo cada momento como se fosse único. Mas – parece-nos – a Humanidade está a desbancar Nietzsche. Parece-nos, a Humanidade está a se bestializar tal qual todo e qualquer animal.

Mais uma produção – esta agora vinda da Rússia – a falar sobre os odiosos massacres nazistas aos judeus em Campos de Extermínio (os Lager) poderia sugerir um tema já batido e por demais falado não fosse a sempre surpreende capacidade humana de ser abjeto. Os maiores traumas da Humanidade (e, entre eles, talvez o shoah, erradamente chamado de “Holocausto”, tenha sido o maior de todos) devem obrigatoriamente ser mergulhados à exaustão para que não recorram, para que não retornem em tempo algum. Sobibor (nome de um dos principais Campos) é o título desse filme que fala especificamente sobre um levante bem-sucedido de prisioneiros dentro desta fábrica de execução. Focando muito mais no episódio, dividindo sua atenção com um sem-número de personagens, o protagonista desta obra é o próprio acontecimento em si. A vez em que homens e mulheres quebraram com a lógica de gado que costuma imperar entre nós quando em situações assim extremas.

A força anônima dos Lager.

Originalidade ou novidade não serão questões a se buscar dentro da experiência proposta por esta produção russa. O fato novo aqui resulta do expresso logo acima: a rebelião que libertou, a duras penas, um número razoável de encarcerados. A narrativa, portanto, segue a lógica da denúncia já conhecida nesses locais: todo tipo de judaria, extermínios forçados, trabalhos exaustivos, humilhações e desumanização de semelhantes que jamais foram vistos como iguais por uma ideologia aparentemente louca, mas que volta a ganhar força na insanidade humana que se mostra intrínseca à formação deste grupo que, por algum motivo desconhecido pelo patrono Darwin (o contador de histórias), assumiu o topo da cadeia. Os prisioneiros, diante de toda a loucura imperativa do não-dizível, se dividem naqueles que não conseguiram se sustentar (os submersos) e aqueles que se viram como uma única força a contra-atacar (tal qual o führer quisera com seu povo dito ariano e, portanto, “superior”). E assim decidiram seguir.

Apesar de o motim ter certa liderança, na figura do combatente russo judeu aprisionado pelas forças alemãs, Alexander Pechersky (atuado pelo próprio diretor do filme, Konstantin Khabenskiy), acompanhamos os afazeres de cada um dos envolvidos no projeto de libertação, como pequenas engrenagens a manterem viva a roda da resistência, que permitira um vislumbre de liberdade. Muito mais do que o exorcismo do que o homem foi capaz de fazer ao próprio homem (como sempre buscara Primo Levi em seus textos), Sobibor surge como uma ode à capacidade de se lutar. Em um momento no qual nada além de uma fumaça pela chaminé seria sinônimo de libertação, pessoas brutalizadas conseguiram perceber na força da união a possibilidade de resistir e seguir, derrubando um gigante que se apresentava invencível a um pequeno soldado armado de uma funda.

Brutalidade entre os “fracos”.

Apesar de uma fala solta e pouco crível, durante as sequências, por parte de um personagem encarcerado – “eles ensinaram os judeus a tirar a vida das pessoas” – quase como uma tentativa de culpabilizar o outro por algumas atrocidades que o Estado de Israel também comete atualmente (não por ser de determinada raça ou etnia, mas por ser demasiado humano como qualquer outro), a produção russa diz muito mais respeito ao ato de resistência e luta que não devem jamais ser abandonados, seja qual for a circunstância. Do carcereiro ao prisioneiro, homens lutam contra homens, encarnando a dualidade que os mescla em santos e pecadores a um só tempo.

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