Crítica: Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame)
Era meia-noite de uma quarta-feira quente na cidade de São Paulo. Eu havia acabado de passar as 2 horas anteriores enchendo o meu rabo num rodízio de comida japonesa muito bom cujo nome revelarei se eles me derem uns de graça. Chegando ao cinema, aglomerava-se uma verdadeira turba ensandecida que, fosse 20 anos antes, seria composta por nerds-virjões-monogoloides-punheteiros, exatamente como vi nas pré-estreias de “Matrix: Revolutions” e “Senhor dos Aneis: As Duas Torres” – e dentre os quais eu obviamente me incluo. O fato de que lá estavam membros de praticamente todos os estratos da sociedade dá a exata medida do que a Marvel no Cinema e o universo que ela criou significaram para todo um grupo de pessoas. Hoje, em MUITO por causa do sucesso estrondoso do MCU, ser nerd não é mais sinônimo de cuecão na escola e bronha infinita. Com o MCU, todo o resto da humanidade começou a enxergar o quanto esses mundos de fantasia identificados com a cultura nerd são divertidíssimos, e isso se espalhou por todas as demais mídias.
Tudo isso chegou teve seu ápice, após mais de 20 filmes, com Thanos e seu já lendário estalar de dedos, fazendo aquele que é, em minha opinião, o melhor filme de super-herói já feito (à exceção do “Batman: Cavaleiro das Trevas”, mas este não é um filme de super-herói, discussão esta que vai ter que ficar pra depois). “Guerra Infinita” entregava absolutamente tudo aquilo que se propunha entregar e, principalmente, amarrava aqueles trocentos filmes anteriores de forma sublime, numa catarse coletiva absurda de toda uma geração de uma forma e intensidade que eu sinceramente não consigo enxergar qualquer outro precedente na história do Cinema.
Logo, Ultimato teria uma dificuldade monstra de conseguir manter o mesmo nível de “Guerra Infinita“, mas, já digo logo, apesar de seus muitos problemas, Ultimato é um fim digno e espetacular para a 3a fase da mais ambiciosa série de filmes já feita.
Dito isso, é EXTREMAMENTE difícil apresentar aqui as ressalvas que tenho com o filme sem dar spoilers. Desta vez os produtores fizeram um trabalho impecável ao não revelar muita coisa nos trailers, teasers e afins e eu é que não vou arruinar isso.
O que posso falar em relação aos problemas do filme são quesitos técnicos que talvez pareçam até mesmo óbvios. Sim, o longa é bem longo e isso fica claro em vários momentos. Há uma evidente barriga aqui, e talvez isso se deva prioritariamente a uma mudança de tom que fica clara logo após uma espécie de prólogo que é provavelmente o ponto mais baixo do filme com seus diálogos pobres. Enquanto que “Guerra Infinita” tinha a proposta de nos jogar na ação o tempo todo, o ritmo de Ultimato é deliberadamente mais lento justamente porque, diante dos acontecimentos do filme anterior, o tom é justificadamente bem mais melancólico. O problema aqui é que essa melancolia toma a maior parte da obra e muitas vezes descamba para um dramalhão que parece não caber dentro do MCU.
Outra crítica é à edição e a direção de atores. Ultimato exige dramaticamente de seus atores muito mais do que qualquer outro filme anterior da Marvel e isto fica claro quando um determinado personagem tem que demonstrar todo o seu alcance dramático por trás de MUITO efeito especial, bem como em algumas das muitas cenas feitas sob medida para extrair lágrimas do público. Isto sem contar uma cena um tanto constrangedora que parece ter sido feita todo no computador e estar lá só para dar uma lacrada bem forçada dentro do contexto.
Some-se a isso, ainda, uma escolha de roteiro para dar uma solução ao problema apresentado pelo estalar de dedos do Thanos que eu, particularmente, ESTOU DE SACO CHEIO de ver por aí. Este talvez tenha sido o maior problema pra mim e é uma pena que eu não possa dizer qual é, sob pena de dar spoilers a todos, mas me pareceu uma solução preguiçosa, lugar-comum e explorada de uma forma completamente jogada, quase como num deus ex machina, que sequer se presta a explicar minimamente como que aquilo ali funcionou.
Felizmente, todas esses poréns são entremeados por todos aqueles elementos que fizeram o MCU o que ele é. Mesmo melancólico, Ultimato consegue manter aquela pegada de comédia de sempre e também se vale dos carismas arrasadores de todo mundo, em especial daquele que talvez seja o principal responsável pelo sucesso da Marvel nos cinemas: Robert Downey Jr, aqui apresentando um Tony Stark que nunca foi explorado antes e deixando claro de uma vez por todas quem é a maior estrela dessa companhia.
Tudo que há de não tão bom, contudo, jaz nos 1o e 2o atos. Quando começa o 3o ato, meu amigo, aí é aquela coisa do cinema todo vindo abaixo com palmas, choradeira e gritos de “vai, Capitão América!” A propósito, como é foda o Capitão América em todo o MCU e em Ultimato isso se torna uma espécie de verdade absoluta em uma cena dele com o Thor que fará os olho de qualquer um que a assistir se encher de lágrimas.
Sabe a catarse coletiva de Guerra Infinita de que falei acima? Se ela existia simplesmente porque entregava a todos nós aquilo pelo que ansiávamos há quase uma década, em especial os nerdões raiz, aqui essa catarse vem na forma simples, ainda que um tanto previsível, de uma verdadeira e violenta quebra na busca pela justiça e vingança. Afinal, essa bagaça aqui se chamar Vingadores têm que ter alguma razão de ser, né?
Os spoilers me impedem de fazer qualquer análise mais profunda aqui, mas, me sinto compelido a repetir. Acho que “Guerra Infinita” foi uma obra tecnicamente perfeita dentro de sua proposta, enquanto que Ultimato não o é e essa comparação é impossível de não ser feita.
Contudo, foda-se a perfeição técnica. O último e 22o filme da 3a fase do Universo Cinematográfico Marvel é excelente e apresenta um fim muito apropriado – ainda que irregular, um tanto previsível e talvez até mesmo covarde (não me crucifiquem pelo uso dessa palavra) – a esta primeira etapa do MCU, deixando um monte de coisa aberta e passível de ser usada nas fases posteriores
Se a intenção da Marvel era popularizar os quadrinhos, ela não teve lá muito êxito. Mas se sua intenção é a de transformar os cinemas em HQs vivas, então Ultimato é a maior prova de seu sucesso, funcionando perfeitamente na telona exatamente da mesma forma que uma última edição de alguma determinada saga ou arco quadrinístico, deixando o campo aberto para que muita coisa seja expandida daqui pra frente e salvando muito nerd de ter suas cuecas rasgadas.
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