Garimpo Netflix #17: Baseado em Fatos Reais
O Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.
“Dostoievski é mais profundo, porque escreve ficção”, dissera certa vez um pensador acerca da comparação entre ficção e aquilo que tem por base a realidade. “Temos Arte para não morrer da verdade”, definira Nietzsche em uma de suas infinitas e célebres frases de efeito. “Arte é a nossa única salvação do horror da existência”, é uma outra sentença impactante que contrabalança a produção artística ao meramente real. Apesar da separação entre um e outro, a Arte é uma obrigatória expressão de seu tempo.
Diversos são os títulos que buscam em episódios ou personalidades daquilo que se entende como realidade para, dentro de uma proposta ficcional, debater assuntos essenciais à natureza humana. O Garimpo Netflix de hoje traz três filmes que mostram os conhecidos dizeres “baseado em fatos reais” em seus créditos, como se fossem mais dignos de atenção por isso. Todas as produções, além disso, estão ligadas pela transformação sofrida por seus personagens a partir da relação direta com pessoas responsáveis por essa mudança.
– A Troca (Changeling), de 2008, dirigido por Clint Eastwood
Assinado pelo bom e velho Clint, A Troca é mais um de seus títulos que centralizam a narrativa em uma mulher que precisa lidar com os dramas pessoais e a resistência do que se apresenta ao seu redor para seguir em uma jornada de buscas pela resposta. No caso específico deste filme, esse caminho a percorrer é ingrato, penoso e, por demais, sofrido. Christine (Angelina Jolie) é uma mãe que mantém uma relação muito próxima a seu filho ainda pequeno. Certo dia, ele é tido como desaparecido e ela pede auxílio da polícia local (sabidamente corrupta) para encontrar seu paradeiro. Tendo, supostamente, solucionado o caso, as autoridades arranjam um encontro público para o reencontro dos familiares. No entanto, a criança encontrada é claramente um impostor.
Sem aceitar a situação imposta por aqueles que querem calar o sentimento de Christine, ela continua em suas buscas à procura do real filho, para isso tendo que enfrentar toda sorte de abusos psicológicos e emocionais perpetrados pelos mais distintos indivíduos que não aceitam os urgentes pedidos da mãe isolada. Um retrato pesado e dramático do fardo das perguntas e a dor da falta de respostas.
– Alexandre (Alexander), de 2004, dirigido por Oliver Stone
A polêmica obra de Oliver Stone sobre um dos maiores homens a pisar a face da Terra dividiu críticas, resultando em uma nota medíocre na referência do IMDb. O título do filme já nos apresenta seu foco narrativo: a biografia de Alexandre, o Grande, da Macedônia, desde a infância até sua queda. Stone passeia pelos pontos principais da personalidade do grande herói, enaltecendo os aspectos presentes nos textos de Plutarco. Vemos aqui uma criança que poderia ter crescido à sombra de seu pai, mas que mostrara a sua centelha gloriosa desde os primeiros passos. Tornando-se o líder da Macedônia, ele conquistou cerca de 2/3 do mundo conhecido à época, em poucos anos, sendo não tão somente um comandante, mas o primeiro homem da batalha.
De maneira grandiosa, o diretor faz um retrato das enormes conquistas de Alexandre (Colin Farrell), ao passo que não rejeita suas relações mais íntimas. Um dos principais assuntos explorados pela obra – o que foi um dos motivos de descontentamento do público há quase 20 anos – é sua relação com Hefestion (Jared Leto), interpretada de forma anacrônica por mentes do século XXI. Sendo assim, com belas cenas que permanecem na memória durante todo esse tempo, Oliver produz um marcante conto sobre a grandiosidade humana, sem endeusá-la, mas conseguindo mantê-la na natureza própria daqueles que são feitos de carne.
– Mary Shelley (Mary Shelley), de 2017, dirigido por Haifaa Al-Mansour
Tal qual a indicação anterior, esta obra da diretora Haifaa Al-Mansour já apresenta sobre o que fala em seu título: é a biografia da grande autora Mary Shelley (Elle Fanning), mais conhecida por sua impactante história “Frankenstein”. Focando no aspecto feminino da narrativa, o filme nos coloca de frente para os dramas pessoais de Shelley, que a levaram a enveredar por caminhos obscuros e desafiadores. Se na introdução desta publicação havia dito que a Arte é a expressão natural de seu tempo, complemento dizendo que toda obra é, em certa medida, autobiográfica. E isso é marcante nesse conto sobre a escritora.
A diretora trata de ligar os grandes sofrimentos experimentados, ainda muito jovem, por Mary Shelley aos interesses que ela vai desenvolvendo, quase como uma relação de causa e consequência, para se chegar até a produção de seu livro. A destruição que a vida impõe e a necessidade de se reconstruir a partir desse caos, transformando-se em algo completamente diferente, apesar de manter as características naturais, é a alegoria encarnada pelo monstro do personagem Victor Frankenstein. E assim como seu protagonista, Shelley se viu como uma costura bruta de sentimentos quebrados, fazendo emergir dessa experiência uma criação que a faria resistir ao tempo.
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