Crítica: Compra-me um Revólver (Cómprame un Revolver)
Em termos de narrativa, meu interesse e afeto sempre se inclinam para a boa e velha aventura fantástica recheada de elementos da clássica trajetória do herói. Porém, vez ou outra, gêneros alternativos conseguem me cativar, dentre eles certamente as narrativas distópicas encontram um lugar privilegiado. Eis o caso de Compra-me Um Revólver, escrito e dirigido por Julio Hernández Cordón, que nos apresenta um futuro distópico no qual o poder político no México é disputado por grupos de narcotraficantes.
Somos apresentados ao cotidiano de Huck (Matilde Hernandez), uma menina de cerca de 10 anos que mora com seu pai num estádio de Beisebol, alugado por ele para a diversão dos grupos armados. Acontece que esse pai é viciado, sendo uma espécie de refém dos traficantes, que basicamente o “pagam” com drogas ao invés de dinheiro, criando um ambiente de absoluta miséria e insalubridade para ele e sua filha. Além disso, já nos primeiros minutos do filme somos informados de que a menina é disfarçada de menino para não ser sequestrada, fato que já havia ocorrido com sua mãe e irmã.
Além do cenário precário de vida dos personagens, sem vislumbre de futuro, o aspecto sujo e visceral de algumas tomadas certamente dá a sensação de que estamos dentro de um romance naturalista do início do século XX – insira aqui qualquer trecho de O Cortiço. Também preciso ressaltar a tensão constante que experimentei desde os primeiros minutos do filme com cenas de tensão super bem construídas em que a premissa do sequestro das mulheres funciona como uma ameaça constante à personagem Huck, fazendo a gente cagar de medo de descobrirem a menina – eu literalmente fiquei cerrando os olhos e torcendo pra ela escapar.
Nesse futuro de incerteza, uma atmosfera de velho oeste – ou, para o leitor mais nacionalista, dos “tempos de Lampião” – se cria, na qual a violência dos bandos armados gera uma tensão constante, sobretudo quando somos informados de que tais bandos, além do poder e controle políticos e sociais, ainda são responsáveis por caçar e sequestrar mulheres sabe-se lá para que fim sórdido. Aliás, em minha humilde visão, o roteiro poderia ter explorado melhor esse ponto e alguns outros que acabam por ficar soltos no todo da história, dando a sensação de incerteza sobre o rumos dos personagens e da própria história aumentar (talvez tenha sido essa a intenção?).
Em termos de qualidade, considero as atuações excelentes, com destaque certamente para Ángel Rafael Yanez, capaz de nos transmitir perfeitamente o arquétipo do viciado que reconhece seu vício e os riscos que enfrenta, se arrepende deles mas é incapaz de se livrar da dependência, encontrando na onda da droga a válvula de escape de sua realidade merda. As cenas protagonizadas por ele e a pequena Matilde além de apresentarem os melhores diálogos são as mais dramáticas de toda a película.
Em resumo, Compra-me Um Revólver entrega uma história repleta de elementos narrativos interessantes, que vão desde reflexões sobre afetividade e relacionamentos humanos a concepções de poder e representatividade política, além de construir uma fotografia razoável e marcante em certos momentos. Por fim, fica claro que o longa se interessa por apresentar, antes de mais nada, uma interessante crítica social, certamente uma metáfora para a atual situação de violência, subdesenvolvimento e atuação do narcotráfico no México, sendo, por todos esses motivos, um filme que vale a pena ser assistido.
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