Crítica: John Wick 3: Parabellum
Logo depois do MetaFictions começar em fevereiro de 2017, eu fui assistir a “John Wick 2“nos cinemas para resenhar. Eu me impus a missão de contar quantas pessoas morrem no filme e em poucos minutos desisti, porque era uma média de algo em torno de uma por minuto e em muitas cenas uns 10 jagunços eram impiedosamente massacrados em poucos segundos. Felizmente, a internet é um poço sem fim de beleza e inutilidades e eu consegui este número com uma simples pesquisa no google (obrigado, cinemablend): 166 pessoas morrem em John Wick 3. Considerando que morrem 77 no primeiro e 119 no segundo, o protagonista interpretado por Keanu Reeves chegará a números stalinescos dentro em muito breve, já que, é claro, a saga de Wick não vai parar por aqui.
Recapitulando rápido: no primeiro conhecemos John Wick, um assassino aposentado que busca vingança contra quem roubou seu carro fodão e matou seu cachorrinho fofinho que havia sido dado por sua mulher antes de morrer de câncer. Wick mata 77 pessoas, toda a mitologia da Alta Cúpula e do Continental é arranhada e o filme acaba. O sucesso do primeiro obrigou a realização do segundo, que criou uma trama simples em que Wick ganha um outro cachorro lindo e se vê obrigado a matar Santino (Riccardo Scarmacio) no Continental, o hotel da vagabundagem gerenciado por Winston (Ian McShane), e assim ele se torna excomungado pela Alta Cúpula, a organização que aparentemente controla todo o crime organizado no mundo usando emos e pin-ups num escritório cujo cheiro de cigarro a gente sente só de olhar. O filme termina com 119 mortes e Wick recebendo uma hora de Winston até que seu nome entre pra lista e ele seja caçado por todos os assassinos do mundo.
E pronto, é assim que chegamos a este terceiro capítulo da saga do Baba Yaga. E não se preocupe com eventuais spoilers acima, eles realmente não são importantes para a diversão neste tipo de filme e em John Wick 3 isto é mais verdade do que nunca. Temos aqui um homem que não tem nada pelo que viver, nada que o faça ter essa vontade tão obstinada de sobreviver que ele tem, mas ainda assim sobrevive por uma motivação ridícula e sem qualquer sentido, ceifando no caminho a vida de mais de 300 pessoas, todas claramente merecedoras segundo o roteiro.
Mas e daí, eu lhe pergunto? Apesar da mitologia do universo de John Wick ser extremamente interessante, com seus dobrões de ouro, promissórias de sangue, uma Alta Cúpula que controla tudo e todos e hotéis espalhados pelo mundo que são santuários onde nada pode acontecer, todo o resto tem a mesma profundidade de um pires. E foda-se. É pra ser assim mesmo. Este é um filme de ação que se propõe a entregar ação e que vomita ação na sua cara o tempo todo. Então, mesmo sendo raso em seu roteiro, ele cumpre com um louvor inacreditável aquilo a que se propõe e coitado daquele que, como o senhor que sentou ao meu lado, vai ao cinema achando que sairá dele sentindo qualquer coisa que não um puro senso de entretenimento escapista.
Nesse quesito, é impressionante como Chad Stahelski, o dublê que virou diretor, consegue manter um mesmo nível ao longo de todos os 3 filmes. Talvez por questões orçamentárias, o primeiro está um tiquinho abaixo dos outros dois, com os dois seguintes se equivalendo em praticamente tudo, seja positiva ou negativamente. Temos aqui novamente, por exemplo, um probleminha de ritmo, com um longa um pouco longo demais e que enche um pouco o saco em determinado momento justamente porque, puta que o pariu, são mais de duas horas de gente tomando teco na cabeça sem grandes motivações.
Fora isso, todo o resto continua perfeito como sempre. A porrada estanca com beleza, Wick mata as pessoas com uma inventividade invejável, a direção e edição das cenas de ação é impecável e, principalmente, não há aqui aquela apelação escrota para cortes rápidos e duzentos ângulos para se filmar uma luta como vem acontecendo no cinema de ação há anos. Aqui a gente tem uma câmera que só acompanha enquanto várias pessoas tentam se arregaçar de forma coreografada, sem truques, sem nada, como tem que ser e com uma excelência que a franquia vem estabelecendo há anos, restando aos outros cineastas segui-la e melhorá-la.
Mais que isso, temos dessa vez um vilão memorável vivido por Mark Dacascos, a lenda dos filmes merda de porrada dos anos 80/90 que saíam direto para VHS/DVD, membro da trindade formada por gente de gabarito como Michael Dudikoff e Lorenzo Lamas. E se você, menino juvenil, não sabe de quem se tratam, fique feliz por isso e não cometa o erro de procurar. Dacascos, contudo, sempre foi o melhor dos três e provou posteriormente, em filmes como “Pacto dos Lobos” e “Crying Freeman” que consegue ser também um bom ator, em especial numa situação de canastrice como essa. Aqui ele interpreta Zero, o principal assassino que é enviado para matar John Wick, e é de verdade uma das melhores coisas do filme, trazendo um frescor a uma fórmula que corre o risco de se estagnar. E ele ainda leva a tiracolo duas referências na prática do silat indonésio, o grande Cecep Arif Rahman e o animalesco e lendário Yayan Ruhian, ambos egressos da franquia “Operação Invasão“.
É isso. Temos aqui algumas das cenas mais espetaculares da história do cinema de ação, com Wick matando gente de formas inventivas como nunca e brutais como sempre, com destaque para o seu uso de cavalos como arma e para a cena inicial dele obliterando uma gangue de asiáticos usando apenas instrumentos cortantes. Se você estiver procurando isso e nada além disso, então John Wick 3 e toda a franquia John Wick são realmente o ápice do gênero no ocidente, com duas horas de puro entretenimento sem qualquer vergonha de ser isso e tão somente isso.
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