Crítica: Rocketman

Se há algo que eu posso apontar que me definiu como ser humano, que me carrega nos dias ruins e celebra os dias bons, sem qualquer sombra de dúvida, é a música. Eu sou um apaixonado por heavy metal e rock and roll (e seus subgêneros), além de eventualmente enveredar para o blues, jazz e música clássica. Não há um dia que eu não agradeça ao Fields de 7 aninhos por pegar o vinil com uma maçã com 4 caras cabeludos e barbudos em sua capa olhando de uma sacada de um prédio para baixo (entendedores entenderão). Dito isso, depois de 30 anos sendo doutrinado musicalmente, não é de se estranhar que qualquer filme que aborde a temática rock and roll desperte uma grande curiosidade em mim e, em casos de artistas que gosto, ansiedade. Então não é surpresa que das centenas de filmes que vi, apenas 2 eu me arrependi amargamente de não ter visto no cinema, “Whiplash: Em Busca da Perfeição” e “Quase Famosos“, ambos uma ode ao poder da música. Com a estreia de “Rocketman“, sendo Elton John um artista cuja música eu estimo muito, eu não poderia cometer esse erro pela 3a vez.

Vivemos um momento onde biografias de artistas da música estão em alta, vide o recém lançado na NETFLIX “The Dirt: Confissões do Mötley Crüe” e o badalado pelo público “Bohemian Rhapsody“, indicado em diversas categorias do Oscar 2019 e vencedor do prêmio de melhor ator pra Rami Malek como Freddie Mercury. Já para falar logo do elefante na sala, como já me perguntaram alguns colegas e cuja comparação será inevitável, sim, esse longa é consideravelmente melhor (na minha humilde opinião) do que a biografia do Queen. Digo isso por uma série de fatores, mas o principal – e que para mim foi o maior problema de Bohemian – é pela escolha de um musical para conduzir a história, com grandes partes se fazendo em cima da suspensão da realidade. Também já faço 2 ressalvas para você considerar antes de me esculhambar pela nota atribuída, sendo a primeira, mais óbvia e que detrata o valor dado; esse é um musical sobre um artista renomado dentro do Rock. Basicamente qualquer obra cinematográfica sobre rock já encontra um cantinho no meu coração, como o pavoroso e meu queridinho “Rock Star“, só para você sentir o tamanho do drama.

A segunda ressalva, que enaltece a nota, é que eu não tenho muito apreço por musicais. As obras do gênero que me apetecem sempre esbarram em algum viés, como “Chicago“, “Dreamgirls“, “Sweeney Todd“, “A Noviça Rebelde” e “Rock of Ages“, todos ou com atores que eu babo um ovo ou meu diretor favorito. E eis que eu chego para te falar que desde “Whiplash” eu não fico completamente satisfeito com um filme como fiquei hoje. Contudo, diferente do filme supracitado, Rocketman não é tão impecável a nível narrativo. Há aqui um pequeno problema de ritmo, com um início que deslancha rápido demais e um final que dá uma leve engasgada. Além disso, o que eu não acho demérito, o roteiro se desenvolve às vezes em uma simbiose, com a história se valendo de um enorme e consagrado repertório para contar um ocorrido, às vezes de forma parasitária, com o roteiro buscando situações para encaixar uma música icônica mais para tê-la na película do que por uma questão de narrativa. Mas como há uma suspensão do tempo e da realidade em vários desses momentos, com números de dança coreografados de fazer inveja à Damien Chazelle, esse artifício para conduzir algumas cenas não chegou a me incomodar. É nesse embalo e alternância de hits que acompanhamos a história de Elton John desde sua infância, passando pelo estrelato e chegando às suas crises de dependência emocional e química, sempre com muito drama e de forma espalhafatosa.

Já falando na trilha, Rocketman nos brinda com uma seleção impecável de músicas. Dada a amplitude de sua carreira de 40 anos fazendo sucessos, nem todo fã sairá do cinema com seu checklist completo (e que foi o meu caso… não tem “The One”), mas também não ficará decepcionado. Engrandecendo todas as canções, a direção de arte fez um trabalho fabuloso, criando um ambiente que te engole e te coloca sentado dentro da tela. Em “Your Song” e “Rocket Man” a vontade que dá é de colocar a mão sobre o ombro de Elton e confortá-lo, tamanha é a imersão proporcionada pela fotografia, a sensibilidade da direção de Dexter Fletcher e a competência de Taron Egerton, dando vida ao complexo e excêntrico Elton.

Contando com um elenco de rostos conhecidos e já estabelecidos na indústria, ninguém é destoante e todos entregam boas atuações. O destaque fica por conta da relação de Elton com seu amigo e parceiro nas composições Bernie (Jamie Bell), com diálogos até um tanto clichês, com uma fala ou outra bem genérica sobre o poder da música e a importância da amizade, mas com uma química entre os dois que valeu cada cena (e porra, é o Billy Elliot!). John Reid (Richard Madden), seu agente, também rouba as cenas diversas vezes e arranca boas risadas com sua relação além da profissional com nosso protagonista. Aliás, algo que foi ponto de muitas críticas em Bohemian pela forma que (não) foi abordada, a homossexualidade de Elton é felizmente tratada de um jeito escancarado e com cenas que muitos considerarão fortes.

Mesmo que você não conheça a história de Elton John ou conheça e seja daqueles caras que não gostam de fazer concessão quanto a ordem dos acontecimentos, Rocketman é tão vislumbrante e magnético que vai capturar sua atenção de tal forma que você sairá do cinema cantarolando as músicas e enxugando as lágrimas. Esse é de fato um dos melhores – senão o melhor – musicais que vi e me comoveu de tal maneira que há anos não ocorria. Ser um filme sobre um artista que eu admiro muito contribuiu para a experiência? Com certeza e isso tem um forte peso para a apreciação. A minha admiração pela sua música interferiu na minha avaliação? Bem… talvez. Mas o que temos aqui é uma das melhores obras de 2019 até o momento e que já tem um cantinho cativo no meu coração.

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