Garimpo Netflix #20: Elas
O Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.
Este garimpo não é feminista. Sou homem. Sou homem heterossexual. Sou homem heterossexual branco. Sou homem heterossexual branco de origem européia. Sou homem heterossexual branco de origem européia cristão-protestante. Não tenho sequer um ponto que pudesse me colocar dentro de um grupo minoritário, dentre os aqui listados. Provavelmente muito por causa disso, nunca sofri qualquer tipo de preconceito na vida. Pelo menos não no nível que qualquer minoria já passou ou (infelizmente) ainda passa. Por conta disso, considero leviano me denominar como parte de algum grupo de representatividade desses, ainda que concorde com muitos de seus pontos.
Isso, porém, não me impede de realizar uma ação cotidiana que absolutamente todo e qualquer ser humano deveria fazer. Isso não me impede um exercício diário de empatia. Colocar-se no lugar do outro para tentar, com o menor grau que seja, se ver em uma relação completamente diferente do padrão aceito socialmente, buscando entender a luta de outros grupos.
Tendo isto em mente, o Garimpo Netflix de hoje traz três títulos que não necessariamente debatem a luta das mulheres, mas que simplesmente as colocam como protagonistas. Acostumados ao padrão de narrativas com homens no foco principal da história, hoje queremos diferente. Queremos tão somente que as histórias que nos são narradas sejam protagonizadas por mulheres.
– Una, de 2016, dirigido por Benedict Andrews
https://www.youtube.com/watch?v=UgiN35SC-hM
Una (em grande atuação de Rooney Mara) é uma mulher que não consegue exorcizar seu passado. O conflito que ela carrega atormenta as várias esferas de sua vida e, agora amadurecida, ela decide confrontar antigos fantasmas para poder seguir em frente. A tal assombração é feita de carne e vive: trata-se de um homem com quem teve um caso quando muito, muito nova; quando ainda se descobria mulher. Trata-se de um vizinho amigo da família já bem adulto, com certa idade, com quem tivera um relacionamento amoroso e sexual.
O filme anda de maneira extremamente delicada e sutil na tênue linha da crueldade, do abuso, do assédio, da ética e do amor. E – porque não? – de tudo isso a um só tempo. A sedução do homem bem mais velho a uma garota inocente e bastante jovem é sinopse suficiente para um veredito prévio. Mas a direção precisa de Benedict Andrews engolirá o espectador para dentro do furacão de sentimentos de seus personagens, onde julgamentos e conceitos tidos como verdades absolutas são abalados a cada sequência.
Da (i)moralidade ao amor, quantas camadas devem se apresentar como barreiras intransponíveis?
Leia a crítica completa do filme, quando de seu lançamento, pela rainha do MetaFictions, Larissa Moreno, aqui.
– Jovem e Bela (Jeune & jolie), de 2013, dirigido por François Ozon
O grande cineasta francês François Ozon escreve e dirige uma obra marcante e extremamente bela, atravessando linhas por muito tempo proibidas às mulheres por uma sociedade que se entende dominada pela perspectiva masculina. A exploração da sexualidade e a entrega ao prazer como fontes de completude ou realização sempre foram locais a serem desbravados por homens viris colecionadores de um sem-número de aventuras sexuais. Mas aqui Ozon inverte a lógica.
Isabelle (em belíssimo trabalho de Marine Vacth) é uma jovem que, após perder a virgindade com um “namorado de verão”, se lança ao trabalho de prostituta através de website. À medida em que vai aumentando seu dinheiro, já que o preço cobrado pela garota ainda não adulta é um tanto quanto alto, Isabelle vai cada vez mais demonstrando menos interesse às notas que acumula. Suas ações não são movidas pela necessidade, nem pelas carícias das diversas personalidades que encontra nesse universo muitas vezes obscuro. Isabelle está acima de qualquer julgamento e mantém seus passos firmes na medida em que algo dentro dela está sendo satisfeito.
O modelo há muito imposto e assumido por nós começa a ser esfarelado pela força impactante da narrativa de Ozon.
– O Sorriso de Mona Lisa (Mona Lisa Smile), de 2003, dirigido por Mike Newell
Aqui, sim, uma clara história de luta pelo lugar da mulher (não que os outros não sejam, mas esse título já guarda um aberto comprometimento direto com a causa), acompanhamos a narrativa da professora de Arte Katherine (em boa atuação de Julia Roberts) admitida em uma instituição de educação para mulheres. Mais do que ensinar o conteúdo e as várias vertentes artísticas para as jovens conservadores da década de 1950, a professora deseja abalar o mundo fantasioso e comedido a elas prometido pela sociedade extremamente machista da época.
Fazendo o trabalho que, em suma, é o ofício principal de um professor: provocar o aluno em direção ao seu próprio pensamento crítico, Katherine vai lançando às alunas questionamentos que resultam em uma auto-crítica e um repensar do lugar da mulher em uma sociedade tradicional e conservadora. As divergências de perspectivas emergem e o conflito de idéias e ideais vai se fazendo cada vez mais presente.
Explorando o carisma e a empatia de suas personagens e atrizes, Mike Newell realiza uma obra que cativa o espectador.
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