Crítica: Alerta Lobo (Le chant du loup)

Em 2001, saía nos cinemas o excelente “O Pacto dos Lobos”. Este era basicamente um filme de ação/terror estrelado por ninguém menos do que o mito Mark Dacascos (sobre quem falei mais na crítica de “John Wick 3“) em que ele e outro cara investigavam ataques de uma besta assassina em algum vilarejo do interior francês no século 18. Tudo aqui, principalmente a presença de Mark Dacascos, leva a crer que este se tratava de um filme B americano meio merda, mas trata-se talvez do melhor filme de ação que já saiu da França, um país cuja tradição cinematográfica para o mundo foge demais do cinema de ação. Mesmo permanecendo fiel aos lugares-comuns do gênero, a obra não perdeu seu toque francês, o que foi um puta diferencial no produto final.

Agora em 2019, mais uma vez usando lobo no título, a França tenta algo parecido. Agora a ideia é fazer um filme de guerra semi-propaganda das forças armadas francesas, tal qual os EUA fazem com diferentes níveis de sucesso desde que o Cinema foi inventado. Ao contrário de “O Pacto dos Lobos”, contudo, desta vez resolveram não apelar para uma estrela desse tipo de filme dos EUA como Chuck Norris ou Michael Dudikoff e simplesmente fizeram o melhor que podiam com o que tinham lá. Talvez por isso, mas provavelmente não, a coisa tenha desandado, de modo que estamos aqui diante de um filme com ideias mirabolantemente boas, mas que falham demais em sua execução.

Em Alerta Lobo, começamos assistindo um genérico do “Comando Delta”, depois temos um pastiche de “Top Gun” com “Questão de Honra” e finalmente, para o ato final, uma tentativa descarada de se copiar “A Caçada ao Outubro Vermelho”. E, por incrível que pareça, essa falta de foco é possivelmente a única coisa que faz com que o filme funcione e já explico o porquê.

Começamos com a tripulação do submarino francês Titã indo resgatar uns agentes voltando de alguma missão qualquer na costa da Síria. Aqui somos apresentados ao capitão Grandchamp (Reda Kateb), o oficial D’orsy (Omar Sy) e o analista acústico Chanteraide (François Civil). Se você está se perguntando o que caralhos faz um analista acústico, eu te confesso que eu também fiquei. Parece que é uma coisa que realmente existe e que todo submarino tem um. É uma pessoa que escuta os sons do mar e com isso detecta barcos, animais e outros submarinos. Faz sentido, já que em geral submarinos estão a uma profundidade com visibilidade quase zero, mas é inacreditável num ponto que quase faz com que a gente desista de ver o filme ali.

Esse moço do ouvidinho de ouro faz uma pseudo-merda, as consequências disso podem se mostrar catastróficas e aí chegamos à única parte do filme que realmente vale a pena em que temos duas tripulações em dois submarinos diferentes uma tentando foder a outra de alguma forma. Se falar qualquer coisa a mais aqui posso dar spoilers e acreditem em mim quando digo que as reviravoltas da produção são praticamente a única coisa que a impedem de afundar (ao contrário desse meu trocadilho merda).

O que posso dizer é que esse aqui é um filme francês e, como tal, ele não tem medo algum de estraçalhar expectativas com finais nada felizes ou reviravoltas impressionantes que fazem com que o espectador tenha aquele seu momento em que exclama um “caralho” em diferentes níveis de intensidade a depender da pessoa. E é isso, somente isso, que faz com que ele respire. Todos os demais elementos parecem amadorísticos, de filme feito diretamente para a TV ou algo assim, o que não é nada compatível com uma produção com duas das maiores estrelas do cinema francês dos últimos tempos, Omar Sy (aquele mesmo do copiadíssimo “Intocáveis”) e Mathieu Kassovitz. A propósito, parece-me um despautério escalar um cara com o talento cômico e o carisma magnético de Sy numa produção dessas. Ele até tenta fazer umas duas gracinhas, mas elas ficam tão fora de contexto que puta que me o pariu.

No mais, temos uma fotografia que é equivocada na maior parte do tempo, efeitos especiais questionáveis, diálogos esdrúxulos, uma trilha sonora tirada diretamente da série de filmes American Ninja, direção de arte bem meia boca e uma direção no geral bem ruim em um filme que é escrito e dirigido por um, preparem-se pra essa, DIPLOMATA! Sim, o malandro que dirige essa peça publicitária é um diplomata que nunca havia escrito ou dirigido um filme antes e isso fica claríssimo em cada frame.

Contudo, entretanto e porém, este animal pelo menos parece ter um puta conhecimento dos procedimentos e protocolos da Marinha francesa, conseguindo dar alguma credibilidade a tudo que é mostrado na tela com uma atenção quase que patológica a estes detalhes. Isto é o que acaba ajudando no último ato em que dois submarinos se enfrentam meio que às cegas, pondo em xeque a vida de muita, muita gente mesmo.

A execução mal-feita da obra prejudica demais as ideias até interessantes para um thriller de guerra em submarinos apresentadas em Alerta Lobo. Prejudicam em um nível que quase faz com que o filme não valha a pena. Mas são justamente estas ideias interessantes e um terceiro ato fulminante (dentro do contexto de que os outros dois foram uma desgraça), no qual liberam o Kassovitz pra brilhar, que fazem com que estejamos diante de uma obra que cumpre aquilo que propõe cumprir. Mesmo sem o Mark Dacascos.

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