Crítica: Elisa & Marcela (Elisa y Marcela)

“Não fazes favor nenhum em gostar de alguém. Nem eu […]. O amor acontece na vida, estavas desprevenida e por acaso eu também. E como o acaso é importante, querida, de nossas vidas a vida fez um brinquedo também.” É com essa canção de Dorival Caymmi que o belíssimo longa de Isabel Coixet apresenta seus créditos, mostrando imagens reais de casamentos entre mulheres, nos dias de hoje, lembrando ao espectador o tema central de seu filme: o amor e suas consequências para a vida dos seres humanos.

No longa Elisa & Marcela acompanhamos a história de um casal de mulheres que realmente existiu e ousou desafiar a moralidade – e os patriarcais preceitos cristãos – da Espanha do início do século XX ao enganar a Igreja e casar-se mais de 100 anos antes que a lei permitisse o casamento homossexual no país, conseguido apenas em 2005. Marcela Gracia Ibeas e Elisa Sánchez Loriga – que adota uma identidade masculina para enganar o padre e sua vizinhança – foram as primeiras pessoas do mesmo sexo a se casarem na Espanha, após meses vivendo juntas como amigas num pequeno vilarejo de Corunha, na Galícia.

Na foto, as duas personagens reais no dia de seu casamento, em 1901.

As duas haviam se conhecido e apaixonado durante os anos em que frequentavam a escola de formação de professoras, sendo separadas pela família de Marcela, que a envia para Madri para concluir seus estudos. Após formada, Marcela reencontra Elisa e as duas finalmente podem colocar em prática seus sentimentos e desejos, passando a viver juntas, como companheiras.

Arrisco-me aqui a dizer que uma das intenções da narrativa seja “transmitir” o espectador para um local passado, longínquo no tempo, para mostrar como o preconceito e juízo negativo da sociedade são capazes de destruir um sentimento tão sincero e puro quanto o amor, criando uma atmosfera dramática e reflexiva. Além do preto e branco, as referências visuais usadas pela diretora Isabel Coixet nos fazem ter aquela sensação de estar diante de uma tela antiga, carregada de expressões corporais e faciais pesadas e intensas, além de uma estética sombria. A trilha sonora ajuda a criar uma espécie de suspensão da realidade bem como compõe a atmosfera dramática perfeitamente.

As atuações de todo o elenco são bem satisfatórias mas realmente Natalia de Molina como Elisa  e Greta Fernández como Marcela roubam a cena desde os primeiros minutos do longa, construindo uma tensão sexual e uma proximidade emocional que se expressa em pequenos olhares e gestos e nos aproxima do sentimento vivido pelas personagens. As cenas de sexo são claramente construídas aqui para serem poéticas e expressar a pureza de um relacionamento afetivo sincero. Elas são necessárias para a ideia da trama e, em minha opinião, servem ao propósito de provocar empatia pelo casal, mostrando que o preconceito e violência com que a homossexualidade era – e ainda é – tratada se tornam bestiais e desumanos.

Nesta última sexta feira, 07/06/2019, um casal de mulheres sofreu agressões em um ônibus em Londres após serem atormentadas por homens que responderam com intolerância à sua opção sexual. As agredidas, Melania e Chris, assim como tantas outras mulheres e gays, contabilizaram mais um número nos indicadores de violência contra LGBTQI+ atualmente no mundo. Por essa razão é que Elisa & Marcela certamente deve ser assistido, já que ainda hoje as pessoas parecem se incomodar muito com os sentimentos e prazer alheios. A reflexão proposta ainda se faz necessária mais de um século depois do casal ter vivido, já que outros casais continuam sofrendo a mesma violência, simplesmente pelo fato de desejarem liberdade para viver suas vidas em paz.

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