Crítica: La Misma Sangre

A oposição, em suas intrigas claramente banais, não raro diz que o Cinema Argentino tem apenas dois atores: Ricardo Darín e Oscar Martínez. Certamente isso não é verdade. A verdade, no entanto, é que eles são dois dos maiores atores do Cinema mundial atualmente e, estando em seu país, não usá-los é um flerte com o absurdo. O novo filme lançado na Netflix, La Misma Sangre, traz Martínez em mais uma atuação memorável, em um drama de mistérios envolvente, mergulhando em uma teia de relações familiares para além do frágil.

De início, somos colocados na fraca relação de Elías (pelo incapaz de errar Oscar Martínez) e seu pai, quando o velho não resiste a um acidente na sua fazenda. Os anos passam e uma nova tragédia volta a nos ligar a essa família judaica: a mulher de Elías sofre um acidente em sua cozinha industrial e também não resiste. Em meio a esse grande trauma, começamos a acompanhar três personagens em sua relação direta com o infortúnio: o patriarca, que tem problemas de investimentos a resolver; a filha Carla (em bom trabalho de Dolores Fonzi), que além de administrar sua dor é perturbada pelas preocupações com o caso, geradas por seu marido; e o próprio, Sebastián (em firme atuação de Diego Velázquez), que suspeita que o acidente tenha sido, na realidade, um ato deliberado do sogro para com a sogra, e passa a contaminar a mente de sua mulher a partir das impressões que obteve.

Pai e filha e um lado da história.

De maneira silenciosa e introspectiva, os dramas de cada um vão se desenvolvendo, como se as três partes fossem se encaixando. Elías, que parece sofrer menos com a perda da mulher e mais com os andamento (ou a falta de) de seus negócios; Carla, que se revolta com o marido e suas dúvidas ao se ver desconfiada do próprio pai; e Sebastián, agindo sozinho como um detetive sem qualquer formação, procurando vestígios e tentando reconstruir uma história com as interpretações que formula. Nesse terceiro caso, a narrativa do filme encarna a própria entidade História ao reproduzir um conto que impõe o caráter cíclico inerente a ela. Como se fadados ao mesmo destino, por partilharem a mesma origem, os acontecimentos (distantes ou atuais) parecem se repetir a seu novo modo, em um novo contexto, mas guardando suas principais características.

A velha relação familiar frágil se apresenta agora à imagem e semelhança do antigo oroboro (a serpente que tenta engolir a própria cauda), sendo repetida pelas gerações posteriores. Avô, pai, filha: ninguém parece escapar do que está na genética, ainda que ela seja expressa em suas atitudes, desejos e medos. Aprofundando esses elementos de sua narrativa, o diretor Miguel Cohan vai costurando os dramas individuais dos três personagens através do mesmo trauma sofrido e fazendo-os serem levados pela roda da História, que coloca todos no mesmo lugar sempre. A empatia pelos protagonistas, portanto, vai sendo reavaliada a cada sequência, ao se repensar as atitudes de cada um, vendo-os se tornarem o que mais odiavam no outro. Somos, em potencial, a encarnação dos monstros que vemos nos outros.

E o outro lado da história.

Com firmeza na direção, sustentado pelas boas atuações, em especial a de Oscar (que sempre está impecável), o novo título de Cohan é um thriller sólido e de qualidade, muito embora seja necessário aceitar algumas soluções de roteiro para que a história siga. Com isso, não está no nível fabuloso das principais obras argentinas a que estamos acostumados. Tampouco, é necessário que assim seja a todo tempo. Em meio a tantas obras sem inspiração e insossas, algo minimamente bom, de fato, se destaca.

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