Crítica: Obsessão (Greta)

Eu nunca entendi muito bem certos tipos de pessoas que conseguem se relacionar com terceiros sem nutrir qualquer tipo – o menor que seja – de sentimento. Como se fossem meras decorações em uma parede, com a diferença de que falam e pensam (supostamente). Igualmente, porém, costumo ter ressalvas a outros tantos que se entregam de cara a desconhecidos, como se vivessem em necessidade plena de carinho. A Humanidade parece ter um apetite pela destruição, ora consumindo o que é belo, ora construindo o que é hediondo. No campo das relações amorosas (quaisquer que sejam elas), fatalmente há momentos de abusos emocionais, psicológicos e – porque não? – físicos. O novo filme de Neil Jordan, Obsessão, adentra na rede pegajosa de duas pessoas carentes, em um thriller instigante de flagelação.

Frances (em bom trabalho de Chloë Grace Moretz) é uma garota que divide um apartamento com sua melhor amiga, Erika (muito bem por Maika Monroe). Com personalidades distintas entre si, Frances é o modelo de pessoa gentil, solícita e ingênua em vários aspectos. Esses elementos constituidores de seu caráter se evidenciam quando ela encontra uma bolsa perdida no metrô. Procurando por pistas em seu interior, acha o endereço da dona, com quem se encontra para a devolução. A mulher, Greta (em mais um grande momento de Isabelle Huppert), é uma viúva que mora sozinha e vê em Frances um possível preenchimento para a lacuna sentimental pela qual passa – em muito devido ao pouco contato com a filha. A jovem e bem intencionada menina, que não tem mãe e guarda certos conflitos em relação ao pai, se apresenta como este “step“. Neste momento, a relação se intensifica e se torna cada vez mais sombria.

Inocência.

Jordan vai fazendo florescer dessa suposta amizade um clima denso de suspense, no qual a obsessão (justificativa do título em português, já que o nome original é o da personagem de Huppert: Greta) da senhora pela mais nova começa a tomar características de psicopatia. A narrativa bem segura vai levando o espectador aos lugares mais obscuros de mentes que necessitam do afeto de outrem, mas que não sabem regar este sentimento. Algumas pessoas são verdadeiramente tão tóxicas em suas relações, que o flagelo e a auto-flagelação são elementos intrínsecos às suas ações cotidianas. O que Greta (seja o filme, seja a personagem) impõe em suas sequências são as consequências encarnadas desse tipo de gente. Como se colocado em realização plena aquilo que ocupa a mente de pessoas assim cruéis (e não me parecem exceções), vemos o dia-a-dia da antagonista pronta para mais uma atitude de extremo desprazer (mas que para ela surge como deleite).

O trabalho de seus personagens, basicamente focado nas duas, mas com alguma participação da amiga Erika, é o que sustenta o filme. Começando de maneira sensível, em uma amizade que se inicia aparentemente inofensiva, no desenrolar da trama vamos sendo tragados por alguém que se esconde por trás de um véu pré-estabelecido de um indivíduo incapaz de uma atitude ruim. E, se por um lado a antagonista encarna o lado vil presente no ser humano, pronto a sujar a inocência daquela que apenas quis ajudar; por outro, ao levar suas personagens atingidas ao extremo limite da necessidade da sobrevivência, percebemos que este mesmo lado vil, estando do outro lado da moeda, pode se apresentar como de extrema utilidade. Ainda assim, o que de pavoroso sugerem os atos que estamos a contemplar nada mais é do que a expressão da insegurança e solidão a que estamos fadados a manter dentro de nós. Passeando na tênue linha entre o que é ruim e o que é bom, Obsessão é como um espelho, cujo reflexo gêmeo-idêntico é o perfeito oposto daquela mesma ação repetida entre si: fora de contexto, seriam rigorosamente iguais; analisando-se as motivações, já se separam por um abismo.

A parede tóxica.

Com uma bela construção de personagens e uma firme direção no gênero thriller/suspense, a nova produção de Neil Jordan consegue segurar seu espectador firme e vidrado na narrativa que impõe. Tocando em pontos extremamente interessantes e até urgentes do que se entende como relação/relacionamento, a obra se permite ir além e flertar levemente com o horror-gênero, ao mergulhar profundamente em outro tipo de horror… O da existência.

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