Crítica: Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese

Em 1976 eu vim ao mundo, junto com o Punk Rock e o bicentenário dos Estados Unidos, numa época em que o fracasso da Guerra do Vietnã e a decepção com o chamado “Sonho Americano” permeavam um mundo que em breve mudaria de maneira rápida e radical. Bob Dylan terminava uma longa turnê que havia começado um ano antes, após um período de hiato. A ideia era colocar um bando de artistas num ônibus e ir parando de cidade em cidade, apresentando música, poesia e o estilo de vida dos boêmios da época. Ou, mais acertadamente, de uma época que desaparecia com o desencantamento com os valores hippies. Esse seria, talvez, o último suspiro da música Folk antes que a América e o mundo fosse invadido pelos novos estilos que surgiriam na década adiante.

O projeto teria a presença de nomes importantes como Joan Baez e Allen Ginsberg, além do próprio Dylan, e um cineasta alemão chamado Stefan van Dorp foi convidado para acompanhar a trupe e registrar os bastidores. A ideia era criar um filme jornalístico, ao estilo dos noticiários que eram exibidos à época nos cinemas, antes do longa metragem principal. Não exatamente um documentário, mas mostrar a visão de alguém que acompanhasse a equipe. Alguém que fizesse parte do grupo. O resultado lembra bastante os “Home Videos” que vários músicos fariam nos anos 80 e 90, em que os próprios integrantes das bandas ou equipes empunhavam suas câmeras de VHS e registravam sua visão pessoal daquela turnê como num diário visual. O equivalente a um “Vlog” ou “Videocast” de hoje em dia, talvez; e ao assistir a Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese, documentário original da Netflix que saiu hoje, fui levado de volta ao meu próprio tempo de adolescência, assistindo a esses videos produzidos pelas minhas bandas favoritas e tentando participar um pouco daquela vida na estrada, tão distante e desconhecida numa época pré-internet.

O grande mérito do filme realizado por van Dorp e utilizado pelo brilhante Martim Scorsese – já familiarizado com mundo do Rock’n Roll após o belíssimo “Shine a Light” sobres os Rolling Stones – é precisamente o de observar e registrar tudo, sem tentar “dourar a pílula”. Vemos aqui o registro dos excessos dos artistas, num tempo em que ainda não haviam exigências escandalosas de camarim, limousines, jatinhos particulares. Ou se existiam, talvez não fossem o barato daquele grupo em particular. Os excessos a que me refiro são artísticos – 18 músicos no palco, num show de mais de 3 horas, alternando leitura de poesia, performances experimentais e um número sempre crescentes de “bicões” se juntando ao circo, numa turnê que deveria ter enchido estádios mas que, a pedido do próprio Dylan, aconteceu em teatros locais e foi um fracasso financeiro. Vemos os primeiros encontros daqueles que viriam a ser a banda – Joan Baez canta ao violão com Dylan na casa de Allen Ginsberg em Nova York, Patti Smith é apresentada ao público como uma novidade e declama uma espécie de poema musicado.

Depois caem todos na estrada: música, psicodelia, flores, lendas de bastidores de quem comia quem e Bob Dylan como o misterioso motorista do ônibus mágico. Em cada parada mais gente se unia ao circo – Sharon Stone adolescente que vai ao show com a mãe e é convidada por um Dylan malandrilson a vir “fazer qualquer coisa” na equipe de produção, Joni Mitchel que deveria cantar em uma das paradas da turnê e acaba roubando o espaço que era originalmente reservado aos poemas de Ginsberg – e toda aquela ideologia artística vai se mostrando mais como um bando de camaradas querendo farrear. Como o próprio Dylan diz: “A vida não serve para você se encontrar, ou encontrar nada. A vida serve para você se criar, e criar coisas”. Absolutamente nada de errado com isso, convenhamos.

Mas resta perguntar o porquê de Scorsese ter recuperado tais imagens e ter dirigido um filme que contasse tal história. Curiosidade com um registro que talvez não seja tão conhecido pelo público? Homenagem a um importante músico em um momento único de sua carreira? O fato é que tais perguntas não são respondidas e mesmo com o dedo de midas do diretor falta um entendimento de qual fora, de fato, a história. E eis que surgem os créditos com todas as datas de todas as turnês que Dylan realizou depois daquela. Depois do hiato que todos achavam que encerraria sua carreira. E a frase do próprio músico no inicio do filme faz sentido. A vida realmente serve para você se criar e criar coisas, e às vezes uma longa road trip com os camaradas ajuda a colocar o trem de volta nos trilhos.

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