Crítica: Shaft (2019)
Deixa isso aqui tocando enquanto você lê essa crítica. Pode confiar no pai. É Isaac Hayes em seu auge e A música mais usada da história do audiovisual quando se quer deixar claro que um determinado personagem é fodão. Lembrem-se, crianças, antes de Samuel L. Jackson, havia Shaft, o badass motherfucka original.
Se essa canção acima não é suficiente para que você pare isso tudo agora e vá pesquisar quem é Shaft, eu ajudo. Na década de 70 havia um movimento chamado Blaxploitation, basicamente o primeiro momento da história do cinema em que o povo preto assumia o protagonismo. Infelizmente, isso ocorreu na forma de estereótipos que se perpetuam até hoje, com negros em geral vivendo em uma espécie de submundo, sempre com muita droga, violência e putaria. Ora, droga, violência e putaria é a base de todo o cinema popular de hoje e de sempre, de modo que esse subgênero, ainda que ofensivo, fez um enorme sucesso não apenas com a comunidade negra.
O principal expoente disso era Shaft, o badass motherfucker original interpretado pelo mito Richard Roundtree, um detetive no Harlem que resolvia tudo na porrada, na bala e comia basicamente tudo que se movia em sua frente. Era uma versão ofensivamente estereotipada de um James Bond negro americano, com a diferença de que as pessoas faziam (e ainda fazem) piadas explícitas sobre o tamanho da tromba da criança.
Em 2000, resolveram rebootar esse filme usando o badass motherfucker atual como protagonista, inclusive com a escalação do Shaft original como tio desse novo Shaft. Sinal dos tempos, esse Shaft do Samuel L. Jackson era beeeeeeem menos estereotipado e, muito por isso, o filme de 2000 foi um pouco morno, levando-se a sério demais e perdendo boa parte do charme do Shaft original em uma obra que mais parecia um filme policial genérico qualquer, sem aquela ginga de outrora.
Eis que chegamos a 2019 e uma terceira geração de Shaft é apresentada. Dessa vez na forma do millenial John Shaft Jr. (Jessie T. Usher), um sujeitinho daqueles que já dá raiva em gente da minha idade, que tenho 36 anos, que dirá num putanheiro da tarimba do pai dele, o Shaft de Samuel L. Jackson. Logo no começo do filme, um certo evento acontece que acaba por fazer com que Shaft pai fique afastado da criação do Shaft filho, que vai morar longe. 30 anos depois, Shaft filho, agora analista do FBI (leia-se nerdão do computador) volta ao Harlem e se vê obrigado a se valer da ajuda do pai fodão para desvendar o que ele acredita ter sido o assassinato de seu amigo de infância.
A trama, portanto, fica óbvia desde cara. Alienação parental + confronto de gerações + gente dando tiro + trama policial genérica. É óbvio que mesmo batendo de frente o tempo todo, esses dois vão se dar bem e encontrar o amor verdadeiro que sentem um pelo outro, tudo num arco de redenção do pai e de aprendizado do filho. E é justamente nesse clichezão lindo que a coisa ainda consegue funcionar, uma vez que a química entre Jackson e Usher, os Shafts, é boa, rendendo os melhores momentos do filme. O mesmo não pode ser dito, contudo, de toda a trama policial, que passa aquela sensação de que estamos vendo um episódio mais comprido de alguma série-policial-genérica-merda qualquer de televisão.
Esse Shaft de 2019, portanto, fracassa enquanto filme de ação-policial, mas tem seus momentos enquanto comédia, apoiando-se pesadamente no carisma dos seus protagonistas. Ao dar uma reduzida ainda maior em todos os pontos que já haviam sido reduzidos no filme de 2000 (violência, putaria e afins), o longa perde bastante do que faz Shaft um personagem que vale a pena ser revisitado, traduzindo-se num filme qualquer nota do subgênero buddy cop, mas ainda com alguma malemolência do personagem original.
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