Crítica: Boi

O primeiro longa-metragem de Jorge M. Fontana pode ser tão inquietante quanto cansativo, ou os dois ao mesmo tempo, isso porque sua narrativa caminha entre extremos, seja do caos ao silêncio, da adrenalina de uma rotina corrida ao vazio onde nada acontece ou de um personagem que é irritantemente falante e questionador ao indivíduo que só observa de longe gerando constrangimento, até mesmo no telespectador.

Uma história que, apesar de ter um quê de drama, e nos mostrar a forte necessidade de resolução de conflitos pessoais do inicio ao fim, também nos oferece alívios cômicos por meio de sua trilha sonora bem elaborada, ora trazendo tensão, ora fazendo sofrer com o protagonista. Tal problemática justificaria um possível isolamento dele, até mesmo pelo perfil estabelecido (um cara que escolheu morar com a tia (Fina Rius) doente, de quem cuida, e escrever no restante do tempo), porém, amizades são estreitadas e relações que não existiam são criadas, revelando as nuances na teia dos acontecimentos.

O suspense mergulha no universo particular e conturbado do jovem Boi (Bernat Quintana), que está vivendo a loucura de seus primeiros dias como chofer concomitantemente às suas frustrações em relação à sua carreira de escritor e sua vida amorosa. Em meio à obrigação de prestar um serviço de excelência a seus clientes Michael (Andrew Lua) e Gordon (Adrian Peng), e a constante vontade de acertar as coisas com Ana, sua namorada, o rapaz vive a oscilação entre fazer o que é certo e o que tem que ser feito, mesmo que errado, seja no seu mais novo ambiente de trabalho, uma BMW novinha em folha ou nas ruas de Barcelona.

Esse transtorno gerado é equilibrado com o aparecimento repentino de elementos da natureza (flores, murchas ou belas, uma arara vermelha, chuva, etc.) que, numa proposta audaciosa do diretor, funcionam como metáforas, trazendo estranhamento e também certa leveza em cenas onde há falha na comunicação.

Pode-se ressaltar também a escolha da câmera que, em vários momentos, se locomove a partir de uma perspectiva ampla e vai ao encontro do rosto dos personagens, o que nos aproxima de seus conflitos e da insistente sensação de estarem sendo observados. Uma escolha proposital, que, além de ser enfatizada com intervenções de personagens como o anão, o taxista e até mesmo o motoqueiro que aparece do nada, brinca, não só com a situação conflitante de Boi, uma vez que este divaga enquanto dirige ou lê, citando frases como “A verdade só é encontrada quando não sabemos que estão nos olhando” e está vivendo a tentativa de descobrir qual a melhor decisão a ser tomada diante de sua realidade de ex-desempregado e futuro pai, como também valoriza a angústia de seus clientes que estão se arriscando a fim de enfrentarem seus inimigos e fecharem um ciclo.

Apesar de o filme apresentar o que poderíamos chamar de happy ending, logo, clichê, também há perdas no meio do caminho, o que nos leva a enxergar a transição do rapaz multitarefa em alguém que sabe o que quer e decide focar em suas prioridades, além da reflexão sobre enxergar o extraordinário no comum.

Por Luciana Danfer.

 

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