Crítica: Privacidade Hackeada (The Great Hack)

Dos diretores Karim Amer e Jehane Noujaim (esta última também assina o excelente documentário “The Square”, disponível na Netflix) chega o documentário Privacidade Hackeada que desvela a trama perpetrada pela empresa de Inteligência de Dados Cambridge Analytica, com anuência do Facebook, na manipulação de dados de usuários.

O documentário inicia centrado na figura do professor David Caroll da Parsons School for Design, de Nova Iorque, que, em 2017, fez um pedido simples à Cambridge Analytica: “Por favor, me informem quais dados vocês possuem sobre mim”. A recusa da cia em respondê-lo o fará mergulhar em uma investigação sobre o uso dos dados obtidos pelas empresas de tecnologia na internet. Pouco depois ele encontrará ajuda nessa tarefa, principalmente daquela que é a personagem principal do filme: Brittany Kaiser, ex-funcionária da Cambridge e principal delatora de todo o estratagema utilizado pela empresa para influenciar as campanhas de Trump e do Brexit em 2016.

O modelo de negócio da empresa, criminoso segundo o documentário, e no mínimo moralmente questionável por qualquer um que não seja um idiota, pode ser resumido em uma explicação da própria Brittany: “A verdade é que não visamos igualmente todos os eleitores. A maior parte dos nossos recursos foram para visar aqueles que podiam mudar de ideia, os persuasíveis. Nós os bombardeamos com blogs, anúncios, artigos nos sites, vídeos, todas as plataformas que possa imaginar. Até que vissem o mundo como nós queríamos. Até que votassem no nosso candidato. Como um bumerangue, você envia os seus dados, eles são analisados, e volta para você como uma mensagem direcionada para mudar seu comportamento.”

Parabéns, você foi hackeado!

Em alguns momentos o documentário opta por uma linguagem de Desktop movie, centrando sua narrativa no rolamento das telas de computadores. Essa opção funciona muito bem, em especial no momento em que uma minibiografia profissional da personagem principal é apresentada. No entanto, principalmente pela recusa do principal diretor da Cambridge Analytica, Alexander Nix, em conceder entrevista para os diretores, o documentário peca um pouco em dar espaço ao contraditório, que fica restrito a imagens de arquivo de audiências em que este participou e nas quais nega as acusações. Isso não retira a força do argumento central contudo, uma vez que é bastante referenciado pela delatora Brittany e pela jornalista do The Guardian, Carole Cadwalladr, primeira a publicar extensivamente toda a trama em 2016. Em suas quase duas horas de duração que fluem muito bem, o filme destila evidências bastante contundentes daquilo que defende, em que pese um tom quase alarmista que o permeia.

Talvez seja difícil para um jovem em 2019 imaginar, mas quando a internet surgiu e se popularizou, ela trouxe consigo a esperança palpável de uma real democratização da informação. Um ambiente quase utópico, no qual pela primeira vez o cidadão comum teria a chance de emitir sua voz com tanto ou mais peso que as grandes companhias de comunicação, deixando para trás um passado de extensa manipulação da realidade com fins escusos. O que Privacidade Hackeada nos alerta é que essa manipulação somente mudou de mãos e hoje é orquestrada por gigantes monopolistas num ambiente de pseudo liberdade de opinião. Depois de tudo revelado sobre o conluio Cambridge Analytica x Facebook, fica difícil não concordar com o ponto do documentário.

Como afirma um de seus personagens, “Estávamos tão apaixonados por essa forma de conexão que ninguém se importou de ler os termos e condições”. E, sejamos sinceros, não nos importamos até hoje. Iremos um dia?

por Rodrigo Cirne

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