Crítica: Typewriter

Não é de hoje que temos contemplado a Netflix investindo em produções indianas e nós não deixamos de analisá-las. O lançamento da vez é a série original de terror Typewriter. Mas, antes de me debruçar sobre ela, efetivamente, gostaria de dizer que sua primeira sequência, de cara, me deixou com 300 pés atrás em relação àquilo que seguiria. É porque trata-se de um plágio descarado – e, até, onde sei, não creditado por eles – de um belíssimo curta de 1 minuto intitulado “Tuck Me In“. Se você já viu (ou se ainda verá) a série, por favor, dê o “play” aqui embaixo. É só um minutinho.

Tirando o plágio da sequência inicial, o que se segue não é uma cópia fidedigna de qualquer outra produção. Acompanhamos algumas histórias em paralelo: a primeira é de um grupo de amigos de escola, crianças de cerca de 10 anos, que “caçam” um encontro com fantasmas. A menina Sam, protagonista, por não ter mãe é obcecada por essas histórias, para tentar um contato com a alma de sua progenitora. E a chegada de uma família na velha mansão “Bardez Villa”, supostamente assombrada por entidades, faz com que a pequena garota vigie os novos habitantes. Jenny, a matriarca dos novos moradores, é a dona da propriedade, cujas memórias de criança não são mais vívidas, o que a faz querer revisitar antigas amizades, descobrindo segredos há muito escondidos em seu próprio terreno. E, voltando décadas, conhecemos a história de um pequeno garoto, Faquir, perseguido por ter uma mãe considerada bruxa. Todas essas narrativas são interligadas por pontos específicos, não deixando uma ponta solta em qualquer dos blocos principais da série (apenas em alguns detalhes, que, provavelmente, seguirão em uma segunda temporada).

O palco principal.

Os 5 episódios de cerca de 50 minutos da produção não são esculpidos naquele terror pleno, ora buscando um alívio cômico em determinadas sequências, ora explorando mais o drama de seus personagens. O terror em si fica por conta de algumas (não muitas) cenas específicas. Nada de te deixar sem dormir ou ficar trêmulo, com respiração ofegante. É bem mais um suspense do que qualquer outra coisa. Mas no que diz respeito ao gênero, Typewriter até consegue dosar bem os diferentes tipos de narrativas. O problema maior da série é o grande número de personagens e a construção de alguns deles. Se, por um lado, uma das três histórias é a melhor de longe (a do menino e a mãe bruxa) e merecedora até de uma série só para ela, com uma construção de personagens bem sólida e bem lapidada; por outro, o desenho dos vilões é algo que deixaria os roteiristas da Marvel orgulhosos por terem feito escola: sorrisinhos de canto de boca, sobrancelhas que falam mais alto do que gritos de crianças medrosas e uma costura bem deus ex machina na inserção desses antagonistas dentro da narrativa principal é o que mais incomoda em toda a obra.

Os aspectos técnicos, em certa medida, também deixam a desejar: a fotografia é sem personalidade, flertando com a luz que costumamos ver em novela; as atuações (tirando de alguns atores) também parecem forçadas em muitos momentos; soluções narrativas – como as supracitadas – tampouco colaboram para o bom andamento da história. Em contrapartida, há decisões acertadas: personagens carismáticos e um fio condutor bem interessante nessa junção dos contos apresentados ao longo dos episódios. Além disso, uma intensa jornada pela parte cultural é, talvez, um dos pontos mais profundos da obra: dentro de um mesmo país, pessoas que não conseguem se entender em uma simples comunicação, por não falarem a mesma língua; várias crenças e religiões que afastam ou aproximam relações pessoais; pobreza e riqueza que tendem a transformar o outro a partir de uma perspectiva de preconceitos e medos. Todos esse assuntos, bem presentes e marcantes no roteiro, conseguem maquiar um pouco dos aspectos negativos que podem ser experimentados ao longo do desenvolvimento.

O elo entre todos.

Typewriter parece seguir o mesmo padrão de seus conterrâneos: histórias aparentemente interessantes, um rico mosaico cultural a ser explorado (e conseguindo debater muitos desses assuntos), parte técnica que ainda caminha, engasgando no processo, e um desenvolvimento narrativo que, por vezes, peca no caminho. Mas, ainda que com certos problemas, o saldo da nova série indiana da Netflix é mais positivo do que negativo. Como Sujoy Ghosh deixou algumas situações sem respostas, já podemos prever uma segunda temporada. Mas esperamos que, ao invés de focar nos filmes dos outros e repetir suas cenas, ele invista nos seus próprios personagens, aqueles que foram realmente bem utilizados. Assim, poderemos ter uma sequência mais proveitosa.

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