Crítica: Seguindo o Coração (Jaoon Kahan Bata Ae Dil)
Começo essa análise com um alerta bem sincero. Esse filme está longe de ser agradável ou fofo como o título em português Seguindo o Coração pode sugerir. Não é que haja nele qualquer escatologia ou cenas por demais perturbadoras, mas é que a agressão e a violência de gênero, das mais sutis às mais patentes, são o fio condutor dessa obra.
Durante um fim de tarde em Mumbai, um casal anda pela orla no que parece um descompromissado momento de lazer entre os dois. Sem tardar, o espectador se vê imerso em uma torrente infindável e verborrágica de abusos por parte do homem (Rohit Kokate) sem que haja (quase) nenhuma resposta à altura da mulher (Khushboo Upadhyay). E é assim, com personagens desprovidos de nome, que acompanhamos esse dia na vida do casal.

Esse homem da história pode ser definido por alguns adjetivos nada lisonjeiros: verborrágico, irascível, cínico, ególatra, sofista, machista e abusivo. E, é bom ressaltar, o trabalho do ator é sem dúvida muito bom. Se você não se identifica com esses adjetivos listados, provavelmente terá nojo do personagem em boa parte do filme, tamanho convencimento que ele imprime na atuação. E caso você se identifique com esses adjetivos, talvez até seja condescendente com alguns dos absurdos que ele comete no desenrolar do longa. E nesse caso eu quero muita distância de você, nobre leitor. Mas muita mesmo.
As coerções e agressões sofridas o tempo inteiro pela mulher só têm uma breve pausa quando o homem é confrontado por uma resposta atravessada de um taxista. Como bom machista, ao ser desafiado por outro homem, ele imediatamente baixa o tom agressivo e passa a travar um papo deveras amistoso com seu novo interlocutor, imediatamente escanteando a mulher, não sem aproveitar toda e qualquer oportunidade de diminuí-la na frente do outro macho.

No entanto, é importante notar que o discurso do homem, em alguns momentos, vai além do machismo e agressão puras, e passa a ser provocativo, parecendo, de forma presunçosa, querer trazer a mulher para um patamar mais elevado da compreensão humana por meio de construções cínicas como “A vida é uma comédia se você entende a piada” ou “Quando vejo você se magoar por uma coisa idiota que eu falei eu me divirto, como ver alguém escorregar numa casca de banana”.
A câmera do diretor e roteirista Aadish Keluskar é inquieta, sem muitos cortes aparentes em cada um dos cenários, por vezes tirando os personagens de quadro e foco, e repleta de closes quase invasivos. Parece querer acentuar o desconforto com o que é dito e sofrido pela mulher, ao mesmo tempo que não disfarça o interesse com a dinâmica do casal. Esse é um recurso inteligente e necessário para manter o interesse em diálogos e digressões dos personagens que são basicamente o todo de um filme de mais de 1h45min de duração. O momento catártico final surge como uma redenção longamente almejada pela mulher e torna sutilmente irônica uma das provocações do homem em algum momento do dia:
“Por que me suicidar? Os suicidas tiveram alguma esperança. Eu adoro viver! O mundo está cheio de pessoas corrompidas e eu adoro lutar contra elas.”
Leave a Comment