Garimpo Netflix #34: Os Melhores (vol. 2)

Garimpo é um quadro do MetaFictions no qual indicamos toda semana 3 bons títulos disponíveis nas maiores plataformas de streaming. Clique aqui para conferir os anteriores.


Há um tempo, o editor-chefe Gustavo David publicou um garimpo no qual declarava ter ficado boas horas de sua vida debruçado sobre o vasto catálogo da Netflix Brasil, especialmente para o seu deleite, caro leitor. Dali, ele tirara o que considerou ser a nata da nata (do momento) presente no acervo, escrevendo, portanto, o que veio a chamar de Garimpo Netflix: Os Melhores.

Um tanto mais desleixado que ele, eu não me permiti usar boas horas da minha vida para o mesmo objetivo. No entanto, batendo os olhos em títulos que apareciam (sugeridos pelo famigerado algoritmo ou propositalmente buscados por mim, pensando também no seu deleite pessoal, caro leitor), compus minha tríade de filmaços merecedores de destaque, mas que não foram amplamente contemplados pelo público em geral. Não que os considere os melhores (dentro do que se pode assumir como garimpo, obviamente), mesmo porque sequer tenho a menor expressão da totalidade que o streaming nos oferece. Mas, independentemente de qualquer coisa, trago para vocês três obras brilhantes, irretocáveis, que podem, sim, obter o título de “Os Melhores”.


– Sicario: Terra de Ninguém (Sicario), de 2015, dirigido por Denis Villeneuve

“Depois de assistir a esse filme, eu sinto vontade de tomar um banho”, disse um grande amigo meu (Anderson Gomes, colaborador do site que anda sumido de nossas publicações), quando fomos ao cinema para assistir Sicario: Terra de Ninguém (eu pela primeira vez, ele pela segunda).

De fato, o filme é sujo, sobre coisas e pessoas sujas, esfregando em nossa cara o quanto o mundo é sujo por natureza, já que é regulado por pessoas igualmente imundas. Na luta pelo combate às drogas, acompanhamos uma força-tarefa da qual participam diferentes personalidades desse conflito diário urbano, que gera cada vez mais debates inflamados e polarizados em nossa sociedade. Na equipe, uma agente com moralidade inabalável terá que repensar os limites que poderão ser atravessados para que o objetivo seja alcançado.

No entanto, o foco do filme não para por aí. Questões morais como a verdadeira política dos homens de poder que se escondem atrás dessa luta infinita; os agentes que (assim como os bandidos – estes muitas vezes protagonistas e não antagonistas nos discursos mais humanizados de uns) são tão somente um alvo a ser abatido diariamente, ao tentar assegurar a proteção da sociedade; e o próprio cotidiano pesado, vil e cruel dos policiais largados ao “Deus-dará” dentro desse conflito por sobrevivência são os principais elementos usados pelo excelente diretor Denis Villeneuve em sua poderosa obra sobre o que experimentamos em nossos dias (apesar de vivermos longe daquele palco, o nosso é muito semelhante).

A imundice humana que se atém aos nossos corpos, quando andamos na rua, quando estamos em nossas casas, ou isolados em nosso “seguro” pensar, vem aos poucos, sutil como poeira, mas que esconde em sua camada o que de belo poderia existir ali.

Réquiem para um Sonho (Requiem for a Dream), de 2000, dirigido por Darren Aronofsky

Sempre que você vir uma obra assinada com esse nome aí, Darren Aronofsky, vai por mim: não só é maravilhoso, como é perfeito. Não há um só filme – repito: não há UM SÓ FILME – que não seja nota 10 em sua filmografia, tendo alguns tantos que ultrapassam essa medida e que costumamos chamar de obra-prima.

Réquiem para um Sonho vai para o mundo das drogas (em uma proposta diferente do título anterior) ilegais e legais. A narrativa nos coloca no centro do furacão de acontecimentos que destroça a vida de uma família, em uma sinfonia macabra e pesada de notas pouco harmônicas, apesar de perfeitamente ritmadas em seu compasso devastador. Trata-se de mãe que toma remédios para emagrecer, enquanto só fica de frente para a TV (outra droga bastante séria) sendo alienada por programas que a hipnotizam em um frenesi de consumo e estética, e filho que mergulha fundo na onda trazida pelo mar denso que se injeta cada vez mais no próprio corpo.

Passo a passo, nessa jornada obscura, o filme vai obrigatoriamente forçando o espectador a dançar essa valsa perturbadora e envolvente que reduz o ser humano ao nada. Nada de ação, nada de imaginação, nada de vontade. Consumidos por dentro, como se invólucros a guardar apenas o vazio errante na Terra, assim vai se apresentando cada um dos personagens dessa orquestra de horror.

Regidos pelo mestre e contando com um elenco refinado (Ellen Burstyn, Jared Leto, a maravilhosa Jennifer Connelly e até mesmo Marlon Wayans sendo sério), esta obra figura como uma das melhores em qualquer lista a se pensar.

– Animais Noturnos (Nocturnal Animals), de 2016, dirigido por Tom Ford

De um estética invejável, Animais Noturnos é uma obra que é muito, mas muito mais do que isso. Este elemento, tão falado por todos que analisam o título, é apenas mais um dos tantos a se ressaltar na produção. Tom Ford traz dois filmes em um, brincando com as expectativas de seu espectador e moldando conceitos que nos acostumamos a utilizar em acusações baratas. O velho “clichê”, o preferido dos críticos, aqui surge como forma a atacar o próprio acusador, fazendo parte da narrativa enquanto característica dramática fortíssima.

A incrível e deslumbrante Amy Adams faz o papel de uma mulher que tem tudo, mas não consegue esconder o vazio tão aparente de seu ser. O marasmo de seus dias regados à perfeição monótona daqueles que não têm uma luta diária a travar é abalado pelo livro de seu ex-marido, visto por ela como um simbólico conto de vingança. Ford vai nos contando, em paralelo, a trama principal e a trama do livro, que de alguma forma nos seduz e nos amarra dentro de sua teia de suspense e revelações.

Um filme de muitas camadas, maduro e delicadamente lapidado. Daqueles necessários a qualquer um, tanto para experienciar o deleite estético, quanto o apuro de sua narrativa.

Nenhum comentário

Tecnologia do Blogger.