Crítica: Foro Íntimo

Josef K., no clássico O Processo, de Kafka, se vê imerso em um absurdo jogo de burocracia, injustiça e nonsense. Acusado e julgado por um crime do qual não é informado, ele vaga por labirintos que falam muito sobre a configuração dos tempos e da Humanidade.

O Brasil contemporâneo parece, infelizmente, ter sido projetado por Kafka. E, dos absurdos que compõem essa terra verde e amarela, nosso sistema judiciário é lapidar no fornecimento de paradoxos. É sobre esse sistema que Foro Íntimo, de Ricardo Mehedff, se debruça. Acompanhando um dia na vida de um juiz (Gustavo Werneck) que, em meio ao processo que envolve um senador acusado de tráfico de drogas, é obrigado a viver confinado entre os móveis e corredores de um prédio público, sendo vigiado 24 horas por câmeras e seguranças.

Exibindo claras (e escuras) influências do cinema expressionista alemão, o longa, infelizmente, não decola em nenhum momento. Ao fim da exibição, o espectador tem a sensação de que o filme não acerta em nenhum dos alvos em que mira. Falha tanto enquanto obra experimental, quanto obra narrativa. Uma pena.

O roteiro, pra começo de conversa, já preconiza essa dicotômica falta de foco. Ele simplesmente não diz a que veio. Entalado em uma estrutura bastante engessada, em nenhum momento ele permite que se avance nos processos interiores do protagonista ou que se levante uma discussão mais pesada sobre o sistema de justiça no Brasil.

Da mesma forma, a fotografia em preto-e-branco não ajuda a contar uma história. Na maior parte das cenas, ela soa quase como uma insolência estética, sobrepondo-se, muitas vezes, de forma desagradável sobre o todo da produção. O resultado final é um flerte com o expressionismo que acaba dando match com o pedantismo.

A direção de Werneck também é afetada pela miopia de Foro Íntimo. No desfocar geral da obra, ela não exibe escolhas claras e afeta até mesmo a interpretação do ator principal. Se a seu favor pesa a escolha de alguns ângulos interessantes, principalmente quando sua câmera se volta para a arquitetura, explorando de forma interessante as arestas, corredores e janelas do prédio, sua assinatura não marca o longa como algo a ser rememorado. Na maior parte das vezes, o que deveria soar claustrofóbico acaba gritando irritante.

A edição também não faz muita coisa. Se a localização temporal do filme em apenas um dia poderia sugerir um ritmo dinâmico, ele fica apenas na sugestão. Na prática, o que se vê na tela é uma quase ausência de ritmo que, longe de apontar para a interioridade de um tempo psicológico, corre em círculos ao redor de pouco ou quase nada.

Foro Íntimo, infelizmente, deixa ao final um gosto de prato que deveria ter sido mais elaborado antes de ser servido. Terminando de forma abrupta, ele parece ser o fruto de escolhas também abruptas que, fossem mais refletidas e por exibirem potencial para isto, poderiam ter gerado uma produção bem mais encorpada.

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