Crítica: Glitch - 3a Temporada

Esta é a resenha da 3ª temporada de Glitch, logo, teremos spoilers brutais das 1ª e temporadas no texto abaixo.


Antes de começar a falar sobre a 3ª temporada de Glitch, devo confessar aqui que sou fã de carteirinha da série. Em tal nível que insisti pra que ela fosse colocada em nossa lista de Garimpo Especial: 10 Séries Que Passaram Despercebidas Em 2017 e ainda indiquei em nosso Garimpo Netflix: Austrália, além, é claro, de ter feito com muito gosto a resenha da excelente 2a temporada de Glitch. Gostei da obra quando a vi e queria ao máximo divulgá-la. E eu só faço essa ressalva porque, apesar de ter sido um dos muitos que clamaram por uma 3a temporada, eu acabo de assistir a todos os episódios e agora estou meio que arrependido. A 3a temporada é um desserviço às duas primeiras, apesar de ainda manter várias das qualidades que fizeram o sucesso de Glitch com seus fãs.

Primeiramente, vamos recapitular em linhas gerais as duas primeiras temporadas, lembrando que, obviamente, daqui pra frente teremos um festival de spoilers delas. Na 1a, várias pessoas mortas há anos acordam de suas sepulturas do nada em um cemitério numa cidadezinha fim de mundo da Austrália chamada Yoorana. O xerife da cidade, James (Patrick Brammall) praticamente toma para si a missão de proteger essas pessoas enquanto todo mundo tenta descobrir o que caralhos exatamente aconteceu. Cabe lembrar que uma dessas pessoas era esposa de James, que agora está casado novamente e tem um filho. Um policial de outra cidade aparece por Yoorana, morre e renasce como um espírito que veio para matar todos os ressuscitados. Na 2a temporada, a mitologia é desvendada quando descobrimos que há ali uma relação que parece divina entre a Dra. Elishia (Genevieve O’Reilly) e o renascido William (Rodger Corser). Descobrimos que ela trouxe todo mundo de volta à vida querendo trazer apenas ele e que eles são espíritos amantes desde tempos imemoriais. Com isso, também somos apresentados a Phil (Rob Collins), um outro cara que morreu e voltou à vida para caçar essa galera que ressuscitou, tudo para restaurar a ordem natural das coisas. A 2a temporada termina com William refazendo o experimento da Dra. Elishia para ressuscitá-la, justamente porque ela havia sido morta por Phil.

Assim começamos a 3a temporada já pelo seu maior erro. Este experimento de William acaba por ressuscitar dois novos personagens que não trazem absolutamente nada de novo e tampouco de relevante à história. Belle (Jessica Faulkner) e Chi (Harry Tseng) são os ressuscitados da vez. Dois personagens que são apresentados e desenvolvidos sem que a presença deles jamais tenha qualquer importância para a história principal. Muito pelo contrário, a existência deles aqui é totalmente infundada e serve apenas para encher uma linguiça em uma série que parece ter sido obrigada a encher uma linguiça por 6 episódios de quase uma hora.

E essa encheção de linguiça, infelizmente, parece ser a tônica de toda a temporada. Kate logo no primeiro episódio tem uma decepção que também não ajuda a avançar a história, os insuportáveis Charlie (Sean Keenan) e Kirstie (Hannah Monson) vão para a cidade grande sem que isso tampouco contribua em nada pra história e William faz o mesmo, com uma tentativa fracassada de dar a ele uma espécie de caráter profético. Enquanto isso, acontece algo extremamente relevante com James que mal é construído. Enfim, nessa 3a temporada a série está quase o tempo todo indo pra lugar nenhum, sem apresentar novos questionamentos como era seu ponto forte nas temporadas anteriores, e apresentando respostas a perguntas que ninguém nunca fez.

Há, portanto, um problema enorme de roteiro aqui. A impressão que passa é que a história contada poderia ter sido condensada em somente uns dois episódios, uma vez que a solução da trama principal ocorre de maneira curta e curiosamente orgânica, o que ocorre justamente porque os roteiristas deixaram de ter mais perguntas a fazer, concentrando essa temporada inteira em dar uma solução a questão dos ressuscitados.

Se na temporada anterior Phil era uma presença excelentemente ameaçadora a todo tempo, uma força da natureza imbuída de puro propósito na missão de eliminar os ressuscitados sem que a gente entendesse exatamente o porquê, desta vez esta questão fica bem clara e é nela que jaz o cerne da série. Não falarei mais sob pena de dar spoilers desnecessários, mas, felizmente, é nessa questão também que jaz um dos dois grandes acertos dessa 3a temporada, uma vez que a história só funciona quando foca no que é importante num aspecto macro, fazendo inclusive com que nós espectadores questionemos se é correto mesmo que aquelas pessoas estejam vivas depois de terem morrido.

O outro grande acerto dessa temporada vem permeando toda a obra desde que ela saiu. O excelente Patrick Brammall na pele do policial James. Sua atuação aqui mais uma vez se destaca. Nas temporadas anteriores, nós víamos um sujeito que era despedaçado por dentro, primeiramente pela volta de sua falecida esposa enquanto ele havia acabado de ter um filho com sua nova esposa e depois pela morte de sua segunda esposa, morta porque havia, como Phil, se tornado um ser que buscava matar os ressuscitados. Aqui ele começa a temporada num desespero incrível e termina com um senso de autossacrifício, dignidade e propósito, sem jamais trair a lógica do personagem, sempre com um Patrick Brammall em total controle do seu ofício.

Ainda há aqui um mercenário com problemas pós-traumáticos que jamais são abordados dignamente, um indiano ricaço dono da Noregard que se veste impecavelmente, uma família de extremistas religiosos que em nada contribui (e que protagoniza uma morte verdadeiramente ridícula no final) e um transformista que aparece só pra tomar porrada ao que tudo indica. Tudo isso como parte de conflitos totalmente novos criados na 3a temporada que não são em nada relevantes pra história principal.

Enfim, a 3a temporada de Glitch é sem dúvida a pior de todas e traz um fechamento no máximo passável a essa história tão fascinante. Fica a impressão de que o roteiro foi feito nas coxas ou às pressas, sem o mesmo evidente carinho e esmero das duas temporadas anteriores. Contudo, mesmo assim, consegue fechar de forma digna a saga dos ressuscitados de Yoorana e seu protetor.

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