Crítica: O Mal Não Espera a Noite - Midsommar (Midsommar)
Em 2018, fomos introduzidos a Ari Aster com seu primeiro longa: “Hereditário“. Esse filme de horror transcendeu minhas expectativas, foi algo além do que eu imaginava como um film de terror. A construção do filme foi perfeita, criando um ambiente de terror tradicional, contudo focando na desconstrução de uma família, as relações afetivas entre os membros e o que isso pode implicar. “Hereditário” é um filme sobre família que, por acaso, se encontra em um meio aterrorizante. Isso elevou o longa, uma produção ambiciosa e genial para um estreante na grande tela. Aster impressionou, nada mais natural do que criar expectativas para futuras estreias.
Ao sair da sessão nada lotada de O Mal Não Espera a Noite – Midsommar só tinha um sentimento florescido em minha mente e em meus sentidos, que é o desconforto. Tudo parecia mal colocado, algo no mundo não parecia estar bem encaixado. Saí incomodado, mas não com a qualidade do filme, sim com o que ele me fez sentir, com o que me provocou, me cutucou, me fez forçar algumas risadas e me deixou desconfortável.
Dani Ardor (Florence Pugh) e Christian Hughes (Jack Reynor) namoram há algum tempo. Contudo, Christian não sente mais a mesma atração que um dia sentiu por sua namorada. Após a morte dos pais e irmã de Dani, o namorado decide não terminar e levar ela em uma viagem para a Suécia, junto com três amigos, na qual eles ficarão hospedados com uma comunidade isolada em um período de festividade. O que se inicia como um sonho perfeito, aos poucos se torna uma macabra experiência.
Acho que a primeira coisa que chama atenção nesse filme é o cenário. Um filme de horror que se passa quase 100% do tempo durante o dia é certamente incomum, mas é eficaz. Esse longa tira o poder aterrorizador da noite e mostra que de dia você também não está seguro. Pode ser no cenário que for, se o diretor souber construir um significado, funcionará. E Aster consegue. O espectador é levado para dentro deste mundo iluminado fortemente pelo sol, então nunca ficamos tranquilos, sempre especulamos que qualquer uma dessas pessoas pode fazer uma atrocidade, ou que algo perturbador se esconde dentro das poucas casas que o local abriga.
Com isso, somos direcionados para a fotografia que é nada menos do que esplendorosa. O diretor e seu cinematógrafo aproveitaram muito bem o local. As belas montanhas verdes da Suécia, o campo com a grama mais verde que já vi na vida e um céu azul claro compõem o cenário. A fotografia quer nos confundir, ela mostra este lugar lindo e bastante agradável, enquanto nós sabemos que nada de bom pode estar acontecendo. Essa função executada pela cinematografia foi muito bem pensada pois faz um paralelo com o que os personagens estão vendo e vivendo.
Ari Aster não tem nenhum vergonha de mostrar o que tem que ser mostrado e é aqui que mora o maior acerto do filme. Suas lentes mostram órgãos de urso, estando o animal com a barriga completamente cortada para a visão do espectador, e pessoas abertas pelas costas com seus interiores para fora do corpo. E o desconforto está presente durante o filme todo e é apresentado de diversas formas, desde uma cena de sexo estranhamente pensada, até choros de desespero que ecoam no ambiente. São momentos fortes que chamam a atenção por serem provocativos, trazendo desconforto.
O elenco todo trabalha em prol desse desconforto. Os membros do culto tratando situações extremamente horrorosas como normais ou “tradicionais”. Eles gritam quando precisam brigar com alguém e o mais perturbador de tudo para mim é a repetição de sons que alguns fazem, por exemplo, quando a protagonista está chorando/gritando eles reproduzem o som ao mesmo tempo, criando uma situação completamente fora do comum e, claro, desconfortável. Florence Pugh e Jack Reynor fazem um ótimo trabalho em traduzir o desconforto na falta de controle. Entre gritos, choros e tonturas, o casal consegue levar o filme de forma exemplar.
Ari Aster mostra mais uma vez do que é capaz e que tipo de cinema quer fazer. O Mal Não Espera A Noite – Midsommar é um filme desconfortável e bastante interessante, dizendo o que o cinema de horror deveria ser: algo que nos deixa incomodados de alguma forma e não uma série de sustinhos baratos que mais fazem atrapalhar do que nos aterrorizar. Ainda guardo “Hereditário” no meu coração, apesar de não estar no mesmo nível, o novo longa do diretor/roteirista mostra que ele não deixou a peteca cair… e nem pretende.
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