Crítica: Quem você pensa que sou (Celle que vous croyez)
Quem você pensa que sou gira em torno de um romance virtual, algo super comum atualmente e que teria altas chances de dar certo, não é mesmo? No caso da história em questão, vários fatores são levados em consideração e são explorados de forma bem dramática. A narrativa mostra um caminho diferente para esse tipo de relação e aborda a crise de uma mulher de meia idade que, embora esteja vivendo a adrenalina e euforia de algo que começou online e poderia se aprofundar, ao mesmo tempo se sente pressionada por talvez não corresponder às expectativas do outro e acaba se perdendo nesse mundo dos relacionamentos virtuais. Claire Millaud é a personagem vivida pelo furacão Juliette Binoche, cuja atuação mais uma vez é nada menos que excepcional, uma mulher muito bonita, bem sucedida profissionalmente, que após sua separação do marido se vê na necessidade de se reinventar emocionalmente e de criar novos hábitos no intuito de satisfazer seus desejos.
Seu novo affair é um rapaz chamado Ludo (Guillaume Gouix) com quem ela não se encontra com a frequencia que gostaria. Apesar de Ludo satisfazê-la sexualmente, ele não é muito acessível e deixa claro que a relação não irá se aprofundar, até mesmo porque basicamente eles só ficam juntos quando ele quer, o que provoca um desgaste no fluxo das energias que Claire estaria investindo até então. Numa tentativa de desfocar de Ludo (Guillaume GouiX) e descobrir por que ele a “deixou de lado”, Claire acaba se interessando pelo amigo dele, Alex (François Civil) e criando um perfil falso no Facebook a fim de conquistá- lo. O que era uma brincadeira a princípio toma outras proporções e passa a envolver sentimentos mais profundos, eles se apaixonam e surge a vontade extrema de se encontrarem. Teria ela coragem de revelar sua verdadeira identidade?
O ponto central do filme e certamente o mais interessante é a incapacidade que essa mulher tem de se enxergá-la, de ver o quando ela é incrível e empoderada, isso fica bastante visível para o espectador quando a vemos em sala de aula ensinando e influenciando seus alunos, de forma que eles não só se interessam pela aula como também ficam hipnotizados com sua performance e naturalidade de explicar ou contar algo, e até mesmo em casa quando seus filhos se sentem um tanto intimidados por ela e/ou pedem ajuda para realizar alguma tarefa. Todo esse turbilhão gerado devido às várias funções que a protagonista desempenha esconde uma tremenda insegurança provocada também pelos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade, mas principalmente por um machismo eminente que leva a grande maioria dos homens a fazerem as mulheres se sentirem assim. Mesmo diante de regulares sessões de terapia com a dra. Catherine Bormans (Nicole Garcia), que aliás desempenha um papel essencial na trajetória dos fatos, e de tantas conquistas ao longo de sua vida, Claire se vê pequena e impotente diante do espelho, quando enxerga suas linhas de expressão e a possibilidade de se relacionar com alguém mais jovem a assusta, como se ela não fosse suficiente porque sua beleza já não é de uma jovem nos seus dezoito, vinte anos e estivesse na eminência de ser trocada a qualquer instante. O que antes era leve e fazia o coração acelerar, agora provoca medo e dúvida, que por sua vez, a paralisa. O drama francês, dirigido com muita delicadeza por Safy Nebbou, gera constante empatia no espectador, aproximando-o por meio da escolha frequente de planos médios e closes.
Em diversos momentos, essa mulher insiste em tentar ser boa o suficiente para “seu parceiro” e não permite que ele a aceite como ela é. A inconstância e falta de clareza de Claire vai apagando sua magnitude e muitas vezes fazem com que ela desrespeite sua própria identidade, o que afeta seu desempenho no trabalho e a relação com seus filhos. Tais eventos a levam a se afundar em um estado de tristeza. O longa traz a perspectiva de possibilidades, tanto da escolha de não se permitir viver um relacionamento onde a a significativa diferença de idade e as ramificações que esse ponto traz podem ser um problema, como também a decisão de se entregar, afinal de contas, ser jovem também envolve a existência de limitações e ter menos idade não coloca ninguém num patamar melhor, apenas no lugar de ausência de certas experiências concomitante ao fervor de querer abraçar o mundo. Quem você pensa que sou trabalha a reflexão sobre respeitar as qualidades e defeitos do outro e acima de tudo saber quem você é a fim de não exercer a errada tentativa de se transformar em alguém que corresponda às expectativas do outro.
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