Crítica: Sombra Lunar (In the Shadow of the Moon)

Caos total. Prédios em fogo. Chamas que consomem vidas. A destruição iminente de tudo. A primeira cena de Sombra Lunar, novo lançamento da Netflix, parece sugerir uma distopia pós-apocalíptica, como muitos outros títulos que o streaming tem produzido. O ano era o de 2024, mas de cara na próxima cena somos alocados em 1988, quando uma série de acontecimentos, a um só tempo, é registrada pela polícia: pessoas, em lugares diferentes, sofrem subitamente de algo aparentemente inexplicável, perdendo a vida de maneira um tanto grotesca. De início, a falta de conexão com a cena de abertura parece nos levar para outra proposta. Tudo se une, de fato, mas a narrativa de tons sci-fi não envereda por todos os elementos do gênero.

Locke (Boyd Holbrook) e seu parceiro Maddox (Bokeem Woodbine) são policiais de rua e começam a se meter na investigação dos casos acima citados, quando descobrem que uma mulher jovem e negra é a responsável por injetar algo nessas pessoas, que não sobrevivem por muito tempo. Peças soltas de uma investigação preliminar mostram evidências incongruentes, tais como uma bala disparada pela arma do protagonista, o que nunca ocorreu, ou pertences da fugitiva que não trazem uma resposta imediata. O caso parece resolvido, mas sem grandes conclusões. No entanto, 9 anos depois, a mesma suspeita surge (o que seria impossível, já que em 1988 ela perdera a vida) produzindo alvos semelhantes, que perecem da mesma forma de 9 anos antes. O que parecia se tratar de um filme policial com tons de mistério assume seu caráter sci-fi ao mergulhar em um tema velho conhecido por nós: viagem no tempo.

Céticos e crentes.

A pegada do diretor Jim Mickle, porém, traz uma abordagem diferente da temática. Os ciclos narrativos do longa são quebrados e reiniciados a cada 9 anos, quando a tal mulher ressurge para vitimar mais pessoas. Esse trauma deixado na mente de Locke o faz ficar obcecado pela busca da verdade por trás de uma pessoa que não envelhece, que parece não perder a vida e que, décadas e mais décadas depois, continua em uma espécie de missão a aumentar a contagem de corpos na cidade. Isso o faz abandonar sua vida pessoal, sua filha e focar loucamente na tentativa de aprisionamento da dita cuja. Até que ele descobre – e isso não é lá bem spoiler – que seu passado é o futuro da suposta antagonista e seu futuro é o passado dela. Aqui reside a tal pegada diferenciada no que tange o tema sugerido. Enquanto um segue na linha do tempo, o outro retorna nela. Seus cruzamentos, a cada 9 anos, são responsáveis por uma série de consequências futuras e passadas (ou passadas e futuras).

Diferente do que costuma ser contemplado em filmes de viagem no tempo, Sombra Lunar realmente traz esse outro ponto deveras interessante no paradoxo da linha do tempo. Apesar disso, essa questão surge brevemente em determinado momento do desenvolvimento da história, ficando na sua maior parte uma espécie de investigação compulsiva episódica. Pouco mudando a cada momento separado por 9 anos, sendo tudo dentro do esperado: Locke afastando seus amigos e família, por parecer um louco; descobertas que só ele testemunha, fazendo-o perder credibilidade; até chegar a uma conclusão que dá um sentido a tudo, sendo aquela surpresa impactante para deixar o espectador naquele momento “WAW!”. Mas o fato é que, tirando-se tudo isso, não sobra muito. O que de mais interessante tinha – as linhas do tempo que vão e vêm – é relegado a segundo plano. O ponto principal da trama surge para dar embasamento ao seu desenvolvimento (mas tampouco convence). E, no mais, as duas horas de história, no duro, permanecem no gênero policial com mistério (o que não é demérito algum, só não mergulha em assuntos mais interessante que a narrativa tinha à disposição).

Onde está a verdade?

Longe de ser um filme ruim, mas também distante de vingar, Sombra Lunar é uma opção de entretenimento que sugere alguma discussão. Flertando com a profundidade, ao falar sobre como ficamos presos a nós mesmos, não nos permitindo seguir em frente, prisioneiros de um trauma pessoal que só nos tranca mais e mais, a hesitação entre ficar na pura diversão e tentar desenvolver suas camadas mais aparentes resulta em uma obra que tinha tudo para ser mais marcante, mas que, em conclusão, se reduz a mais um título dentre os demais disponíveis no streaming.

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