Crítica: Downton Abbey: o Filme (Downton Abbey)
Por seis impecáveis (e premiadas) temporadas, de 2011 a 2016, nós convivemos com o último refúgio da elegância, verve, imponência e tentativas frustradas (por parte dos espectadores) de imitar à perfeição aquele sotaque metido à besta da aristocracia britânica. “Downton Abbey“, criada e escrita pelo genial Julian Fellowes, roteirista do igualmente genial “Assassinato em Gosford Park “, do mais que genial Robert Altman, nos fez viciar no turbulento e chique pra cacete dia-a-dia dos Crawley, uma família nobre na Inglaterra do início do século XX, e de seus carismáticos e marcantes empregados.
Três anos depois de dizer adeus, eis que os fãs recebem um convite para um chá de reencontro. Só que, dessa vez, no cinema. Downton Abbey: o Filme, dirigido por Michael Engler, que já havia dirigido alguns episódios da série, e escrito por Fellowes, estende a trajetória dos Crawley por um acontecimento que sacudirá todas as personagens: em 1927, o rei George V e a rainha Mary se hospedarão em Downton por uma noite. É a deixa para que sejamos mais uma vez levados para as batalhas de protocolos e humanidade que sempre marcaram a série.
De cara, já é preciso dizer que o filme é um baita de um fan service. Se, como esse crítico que vos escreve, você é fã pesadão dessa galera, daqueles que defendem Lady Mary (Michelle Dockery) mesmo quando ela está sendo uma perfeita megera e sabe de cor todas as frases da melhor personagem de todas, a maravilhosa e rainha dos petardos linguísticos Condessa de Grantham, Violet Crawley ( a incomparável Maggie Smith), então, esse filme é pra você. Da emoção da música de abertura às lagriminhas nos olhos quando a propriedade soberba toma a telona, tudo ali foi feito para você. Mas, se você nunca ouviu falar em “Downton Abbey” ou sabe apenas que ela foi, como um herege se referiu a ela na nossa reunião de pauta, “uma série famosinha”, você irá achar o filme bem legalzinho e, provavelmente, não vai pescar algumas referências que exijam conhecimento do subtexto.
E, talvez, essa exigência de ter de agradar a todos, inclusive aos que desconheciam a série, seja o elo mais fraco da produção. Se na TV o que mais chamava atenção era ver como o drama humano sobressaía e se estabelecia em um mundo de aparências e regras mas, acima de tudo, cheio de humanidade com suas paixões e desacertos, no filme, o plot se suaviza ao extremo, dando uma leveza que, em alguns momentos, chega a soar “chapa-branca” demais. Alguns conflitos já se mostram resolvidos antes mesmo de se apresentarem e o tom cômico de algumas sequências, como as dos conflitos entre os empregados de Downton e os da família real, soa um pouco fora do esperado (e desejado).
Nada que apague, porém, as enormes qualidades do longa. Primeiramente, é uma alegria ver como ele se estabelece exatamente como um filme de cinema e não um episódio de TV estendido. O roteiro trabalha muito bem essa questão, tal como e edição e, inclusive, a movimentação de câmera na tela. Bravo. Uma coisa, porém, continua igual à qualidade da série: a produção perfeita. Figurinos, maquiagem, trilha sonora, direção de arte, cenários. Cada detalhe brilha como a prataria de um jantar real.
E, tal como na série, a força maior de Downton Abbey: O Filme se encontra no elenco. Dando vida a personagens extremamente completos, únicos, tem-se um grupo de atores de excelência, cujas performances obviamente ganharam mais força ao revisitar papeis com os quais conviveram por tantos anos. O longa ainda apresenta novos personagens, com destaque para a presença da grandiosa Imelda Staunton como Maud Bagshaw, dama de companhia da rainha e prima dos Crawley, em conflito com Violet por questões de herança e um segredo familiar. Smith e Staunton brigando. Já dá pra imaginar, né?
As personagens que conhecemos e amamos estão todas lá, nem que seja para uma breve aparição. O roteiro dá um destaque maior a Lady Mary que, aliás, dará a Michelle Dockery a sequência mais emocionante da produção, um diálogo forte e lindo com Maggie Smith em sua melhor forma. Também é de realçar o quanto o filme evidencia o Tom Branson de Allen Leech, o republicano e viúvo da inesquecível Lady Sibyl, que ganha peripécias político-heroicas e até um interesse amoroso.
Downton Abbey: O Filme é agradável até nos momentos em que um certo incômodo faria bem. Mas, sem dúvida, vale a pena. Até porque como resistir à Condessa de Grantham dizendo na telona coisas como “Eu sou uma expert em todos os assuntos” ou “Eu nunca discuto. Eu explico”?
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