Crítica: Meu Nome é Dolemite (Dolemite Is My Name)
“Dolemite is my name and fucking up motherfuckers is my game”
O célebre músico Woody Guthrie tinha escrita em seu violão a frase “This Machine Kills Fascists” declarando-se ferramenta para a aniquilação da escória da humanidade. Por anos venho procurando seu correlato moderno, algo que descreva de maneira atual o sentimento de Guthrie durante a Segunda Guerra, para estampá-la em minha guitarra. “Foder fihos das putas é o meu jogo…”, puta que pariu, perfeito! Essa era a maneira como Dolemite – personagem criado por Rudy Ray Moore em meados dos anos 70 – se apresentava. Como não admirar um filho da puta que se descreve desta maneira?

Lançado nesta Sexta-Feira pela Netflix, o filme Meu Nome é Dolemite traz Eddie Murphy no papel de Rudy, um negão de meia idade que não desiste nem fudendo do sonho de alcançar o sucesso pela arte. Após se fuder várias vezes, Rudy decide se tornar comediante de stand up utilizando piadas de baixíssimo calão criadas dentro de prisões e recitadas em rimas pelos mendigos no bairro onde mora. Sob o pseudônimo de Dolemite, ele alcança, apesar da descrença de todos ao seu redor, um enorme sucesso. Um Costinha (lembram dele?) de L.A., Dolemite aparece em discos com piadas cada vez mais sujas, obtendo cada vez mais sucesso (entrando inclusive nas paradas da Billboard!) e inspirado pela resposta do público, ávido por mais proibidão, Rudy decide produzir ele mesmo uma película sobre o personagem. E o resultado é um dos filmes independentes mais bem-sucedidos de sua época.
Nessa biopic produzida com todo o esmero que se espera de um dos maiores estúdios da atualidade, vemos ser contada com iguais porções de dignidade e humor a história de Rudy Ray Moore, um filho da puta que se recusava a ficar no chão, não importa quanta porrada ele levasse. Limonada? O camarada pegou os limões que a vida lhe deu, plantou no quintal, montou uma fábrica de caipirinha vagabunda enlatada, colocou duas mulatas de peito de fora num anúncio durante o programa do Jorge “Só se For Agora” Perlingeiro de madrugada e ficou milionário explorando o gosto tosco do público jovem dos anos 70.

Não sei dizer o que mais me agradou no filme, se o prazer de reencontrar o Eddie Murphy que me divertiu na adolescência com seus próprios shows de stand up recheados com enxurradas de “fuck you, motha’fucka’s” (assista ao show Raw de 1987 e disponível na Netflix, no qual a palavra “fuck” é dita a 223 vezes em 90 minutos, um recorde mundial), o figurino impecável assinado pela vencedora do Oscar Ruth E. Carter, a trilha sonora do caralho (com canções de Marvin Gaye, Kool & The Gang, Commodores, Louis Armstrong, Bessie Smith, etc), ou o simples fato de saber que houve um filho da puta que ganhou 10 milhões de dólares com um filme B tosco e conseguiu construir uma carreira de tanto sucesso que, anos depois, quando surgiu o movimento Hip-Hop, os MCs encontraram os discos de Rudy como Dolemite e seu estilo de rimas, com jogos de palavras engraçados e sujos, e passaram a usá-las como inspiração para as suas próprias. Rudy Ray Moore é aclamado hoje como o Padrinho do Rap.

Seu mérito, além de absurda obstinação, foi saber compreender o que o público queria – porradaria, explosões, tiro, peitinhos, palavrões, comédia – e entregar… bem, ele entregou só isso porque era só o que o orçamento dele permitia, mas o fez com honestidade e com paixão, e isso bastou. E é com essa honestidade que não apenas Eddie Murphy, mas Wesley Snipes, Chris Rock, Snoop Dog, Craig Robinson e um elenco sensacional (destaque para Da’Vine Joy Randolph no papel de Lady Reed!) entregam um filme que visivelmente foi criado para aplaudir a vida, a arte e a vitória de Rudy Ray Moore e sua trupe mambembe, e nos levar de volta às quebradas dos anos 70.
Can you dig it, mother fucker?
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