Crítica: O Despertar de Motti (Wolkenbruchs wunderliche Reise in die Arme einer Schickse)
A temática religiosa é um material muito rico que dá ótimos frutos se bem trabalhada no cinema. O último filme que assisti que passa dentro da comunidade judaica foi o brilhante “Desobediência”, em 2018, e pude mergulhar profundamente em sua narrativa que questionava os particulares limites impostos pelas doutrinas do judaísmo na questão da sexualidade especificamente. Também passado dentro da comunidade judaica, o filme O Despertar de Motti traz em sua história questionamentos a respeito das decisões de vida de um jovem judeu, inevitavelmente atreladas às expectativas de sua família ortodoxa.
No filme, Mordechai é um rapaz na casa dos 20 e que, de acordo com a filosofia em questão, precisa se casar – pois o casamento é um dos processos esperados, sacros, dentro da vida de um judeu, segundo ele explica. Exausto de tantos shidduchs organizados por sua mãe, Judith – uma mãe judia daquelas bem estereotipadas: dramática, super-protetora…. -, Motti começa a questionar a razão de ser daquilo tudo, já que ele não vê sentido em se casar com uma moça aleatória após alguns encontros burocráticos.

E pra lascar tudo, Motti ainda começa a se interessar por uma schikse: uma alemã de sua turma que é o oposto que sua mãe deseja como nora. Dividido entre o que sua religião demanda e o que sua mente busca, o garoto vai pisando em falso, perdido ainda de quem ele realmente é, tateando como deve seguir sua vida. Esse caminho é, sem sombra de dúvidas, deveras custoso pois, tal qual uma sinuca de bico, não há como suas ações não terem consequências negativas também.
Seguindo sua família, ele é infeliz; seguindo seu coração, ele quebra com a doutrina e, dentro de uma realidade em que a religião para alguém ocupa também espaço emocional, causa infelicidade. Uma enrascada certa essa. De maneira interessante, o filme nos faz refletir sobre os grilhões que escolhemos carregar: será essa uma escolha integralmente consciente? Quais possibilidades temos sem eles? Será esse o maior peso ou o da própria liberdade, que tende a vir atribulada de início?
O Despertar de Motti é um filme leve, que vai sendo conduzido de maneira divertida e sem grandes dramas até mesmo em seus ápices. Não mergulha de cabeça nessa questão existencial dentro da comunidade judaica – mas, de toda forma, não se propõe a isso. A proposta é um passeio de lancha, com alguns balanços e sustos pra manter o viajante acordado, sobre as águas de uma religião que ainda possui uma vertente rigorosa como é a ortodoxa.
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