Crítica: Resgate do Coração (Christmas in the Wild)

Há alguns filmes que te deixam atropelados. Aqueles que fazem repensar sobre seu próprio ser, sobre suas escolhas e formas de ver a vida. Aqueles que te fazem acessar sentimentos adormecidos ou trazem sentimentos inéditos e irreplicáveis. Ou os que são tamanha obra prima que faltam palavras pra organizar os pensamentos, que por horas tentam tal qual um quebra cabeça de mil peças. E há o filme Resgate do Coração. Sabe quando você sai de casa e sem querer esquece de passar desodorante, em alto verão carioca, e passa o dia todo arrependido e fedido? O longa de Ernie Barbarash deixou esse infortúnio no chinelo já que assisti-lo causou um arrependimento ainda maior.

Já é natal na Leader e na Netflix também. Como sugere em seu título original, o filme se propõe a trazer um conto natalino, já que as portas de novembro foram abertas e, com elas, a onda pré-Noel que se alastra por todos os cantos. No filme, no entanto, a festa de final de ano é pouco relevante; o foco se dá em Kate, uma ricaça nova-iorquina que recebe a notícia de que seu marido viria a se tornar. Abalada com o fim do relacionamento de décadas, a mulher resolve ir pra Zâmbia e curtir uma viagem que era originalmente uma segunda lua de mel do (ex)casal.

“Uhm…Pego ou não pego?”

Como o cinema estadunidense (e o mainstream) não tem o menor compromisso em quebrar aquela visão que pinta a África como algo unitário e uniforme, é mencionado o nome do país Zâmbia uma vez e durante todo o resto do filme a personagem “está na África”. Como se não bastasse essa enervante mania dos roteiros de lá, há ainda inúmeros furos e consequentes forçações de barra. Uma delas torna concebível que, por exemplo, uma veterinária – Kate – que nunca tratou animais não-domésticos e está sem atuar há 20 anos lide magistralmente com paquidermes ao deparar-se com um elefante bebê em apuros. Ora, faça-me o favor…

A história segue a previsível linha de autodescoberta, uma tentativa constrangedora de empoderamento, que é somada a caminhos que se cruzam com um novo amor capaz de fazer Kate se sentir feliz novamente. E lá vem eu, a problematizadora de tudo sim, afinal não sou historiadora à toa: que espécie de empoderamento é esse hein? Kate está arrasada, não porque ainda ama seu ex-marido, ou porque foi sacaneada por ele (nenhum dos dois aconteceu). Ela está arrasada porque foi tirada da zona de conforto. O combustível que lhe inflama não é rejeição emocional, ou frustração por não dar certo; é uma expectativa irreal de amor romântico, que em seus sonhos lhe garantia um parceiro pra toda a vida e amor infinito, o tal felizes para sempre.

E, apesar de sua viagem não se tratar de um Tinder – Edição Safári, cair no clichê de inserir uma linha narrativa romântica transmite que a sensação de incompletude emocional de Kate tem uma razão de ser. Afinal, ela PRECISA de um novo amor. Ah, e sobre o Natal, isso tudo ocorre às vésperas dessa festa capaz de unir petistas e bolsominions em uma mesa só. Kate se apaixona pela “África” (ou seja, pelos seus 54 países, trocentos povos e milhões de línguas), estende sua estadia, dá uma chance pra sua carreira como veterinária gambiarra de elefantes e dá uma azarada em um Brad Pitt do Paraguai (Rob Lowe).

Pode soar como spoiler mas isso tudo está na sinopse e, bem, não tem muito além disso. Tudo isso é posto em vida por atores magníficos que fazem os jovens da Malhação dignos de Oscar. Por fim, não se pode dizer que é um filme que não fede nem cheira – eu diria que fede, como quem esqueceu de passar desodorante antes de sair de casa em pleno verão carioca.

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